domingo, 29 de maio de 2011

Cordel na Universidade


AULA DE TEORIA DO ESTADO

Em agosto de 1999, comecei a ensinar na Universidade de Fortaleza. Uma das primeiras disciplinas que lecionei foi "Teoria do Estado". Será que dava para fazer um cordel com um assunto desses? 
Claro. Eis o resumo daquela primeira aula:

Começamos o semestre
Falando de sociedade.
Porque os homens se uniram,
Vivendo em sociedade?
Registra nossa memória
Em que ponto da História
Foi inventada a cidade?


Na Grécia de tantos sábios,
Aristóteles dizia:
"Homem, animal político".
E lançava a teoria
Da origem natural
Do organismo social,
Que desde sempre existia.


Também na Idade Média
A tese prevaleceu,
E o grande Tomás de Aquino
Habilmente defendeu
Que, a não ser por acidente,
Só um gênio ou um demente
Vive afastado dos seus.


Mas outra explicação
Existe pro mesmo fato.
Pensadores de alto nível,
De saber, bom senso e tato,
Concluíram que as pessoas,
Sendo más ou sendo boas,
Uniram-se por contrato.


Surgia, assim, a doutrina
Do Contrato Social,
Com Russeau, Hobbes e Locke
Mostrando o seu cabedal.
Apesar da divergência
Destes homens de ciência
So o homem é bom ou mal.


Hobbes dizia que o homem,
No estado de natureza,
É o lobo do outro homem,
Rouba o que ele tem à mesa.
E, se há a união,
Não é por bondade, não,
Mas pra sua própria defesa.


Russeau, contrargumentando,
Diz que o homem não é mal.
Que prevalece a bondade
Em seu estado natural.
Se depois embruteceu
Saibam: quem o corrompeu
Foi a vida social.


O fato é que muita gente
Tem pensado sobre o tema.
Não há conclusão final
Pra incluir nesse esquema.
Quanto a nós, cabe estudar,
Sem também se estressar
Pra resolver o problema.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

As visitas de Mountain View


Esclarecido o mistério das 
visitas de Mountain View


O leitor Carlos Acedeva, do Blog do Acedeva, postou comentário na postagem "Mundo Cordel pelo Mundo", explicando que a razão das visitas diárias a este Mundo Cordel, vindas de Mountain View:

"É o spider do google visitando seu site para indexação"

Bem que eu desconfiava que a Google tinha alguma coisa a ver com isso.

Deve ser por esse mesmo motivo que essas visitas não aparecem no relatório de acessos da Google Analytics. Eles não devem considerar as próprias visitas para indexação em sua contagem.

Bem, considerando ou não essas visitas, o fato é que este Mundo Cordel já recebeu, neste ano de 2011, mais de 43.000 acessos. É quase o triplo do movimento do ano passado no mesmo período.

Bem, por hora, acho que falta só agradecer a quem esclareceu o assunto para nós: Grato, Carlos Acedeva, pelo esclarecimento. Venha sempre a este Mundo Cordel!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Prêmio para Mundo Cordel


PRÊMIO KREATIV BLOGGER


Deve fazer mais um mês que meu amigo Paulo Barja (Cordéis Joseenses) me deu a boa notícia de que Mundo Cordel foi indicado para o prêmio Kreativ Blogger.


Sou meio atrapalhado com esse negócio de prêmio e custei a me organizar para seguir as regras da premiação, mas acho que estou atendendo.


Segundo entendi, as regras, após receber o prêmio, são:

1) Selecionar outros 10 blogs merecedores do prêmio

2) Notificar os prêmios no blog

3) Responder: quais as 10 coisas que gosto sempre de partilhar
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Então...

Segue a lista dos 10 blogs com quem partilho este prêmio:

DESCE MAIS UMA! - http://descemaisuma.blogspot.com/
GILBAMAR - POESIAS E CRÔNICAS - http://gilbamar-poesiasecronicas.blogspot.com/
BLOG DO EDILSON - http://edilsonqueiroz.blogspot.com/
ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA - http://acordacordel.blogspot.com/
CORDEL DE SAIA - http://cordeldesaia.blogspot.com

CANTINHO DA DALINHA - http://cantinhodadalinha.blogspot.com/
LENDO.ORG - http://www.lendo.org/
NA CACIMBA DA POESIA - http://www.poetalucianopedrosa.com/
CORDEL ATEMPORAL - http://marcohaurelio.blogspot.com/
BLOG DA ROSÁRIO PINTO - http://rosarioecordel.blogspot.com/

(2) os blogs acima estão recebendo notificação desta postagem

3) Segue a lista das 10 coisas que gosto de partilhar:

1. Conhecimento
2. Alegria
3. Boa música
4. Cordéis interessantes
5. As histórias que crio
6. As histórias que escuto ou leio
7. Pensamentos positivos
8. Expressões curiosas ("É o fim da picada"; "Vitória de Pirro", etc)
9. Lições de vida
10. Links interessants

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Acorda Cordel na Sala de Aula


SEGUNDA EDIÇÃO DO PROJETO 
ACORDA CORDEL NA SALA DE AULA

O poeta Arievaldo Viana anunciou hoje a segunda edição do seu projeto "Acorda Cordel na Sala de Aula". A obra é uma perfeita demonstração do quanto o cordel pode ser uma ferramenta importante na educação. Vale a pena conferir as características do "kit", anunciadas por Arievaldo no Blog Acorda Cordel


1 - LIVRO COM 144 páginas, tamanho 28x21cm, com a história da Literatura de Cordel, técnicas da poesia popular e exercícios para professores e estudantes. 


2 - CAIXA COM 12 FOLHETOS, de autores diversos, incluindo a Gramática em Cordel e a Didática do Cordel. 


3 - CD com 10 poemas musicados ou declamados por Arievaldo Viana, Geraldo Amâncio, Zé Maria de Fortaleza e Mestre Azulão. 


Valor total do KIT - R$ 60,00 + DESPESAS POSTAIS. Enviamos pelo CORREIO para qualquer parte do Brasil. 


DESCONTOS ESPECIAIS PARA REVENDEDORES. 


Maiores informações: acordacordel@ig.com.br
Fonte: Blog Acorda Cordel

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Cordel para a ONU



CORDEL DO "ZÉ PENUDO" 
NA REVISTA CAPACIDADES


Em novembro de 2010, participei de uma oficina com uns vinte cordelistas de todo o Brasil, em Barbalha-Ce, organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, entidade ligada à Organização das Nações Unidas.

O objetivo do encontro era transpormos para a linguagem da Literatura de Cordel pontos essenciais do Relatório de Desenvolvimento Humano Brasil 2009/2010.

Foi nessa ocasião que criei "CORDEL DO ZÉ PENUDO", que conta a história de um menino que tinha vontade de melhorar o Brasil, e levou esse sonho o mais longe que pôde.

Bem, para minha alegria, fui comunicado pelo pessoal do PNUD de que o "CORDEL DO ZÉ PENUDO" não só vai ajudar na divulgação do RDH Brasil, mas teve uma parte publicada na Revista CapaCidades, editada pelo PNUD e a Confederação Nacional dos Municípios.

Os versos publicados foram esses aí:




CORDEL DO ZÉ PENUDO (Trecho)
Marcos Mairton


Outra coisa importante,
Que também foi percebida
No estudo de Penudo,
Não deve ser esquecida:
É que muitas coisas boas
Dependem só das pessoas
Pra melhorar nossa vida.


De acordo com a pesquisa,
As pessoas apontaram
Coisas muito valiosas
Que elas consideraram.
Coisas como a amizade,
Respeito e tranquilidade,
Elas sempre desejaram.


São bens que não se adquirem
Pela força do dinheiro
E nem o governo tem
Para dar ao brasileiro.
Precisam ser conquistadas
Pelas ações praticadas
Todo dia, o ano inteiro.


Governo faz uma escola,
Hospital, delegacia,
Organiza a previdência,
Intervém na economia.
Mas a família é que ensina
O menino e a menina
A saudar com um “Bom dia!”.


Não pense, então, que o Governo
Cura todas nossas dores
Pois dos fatos sociais
Nós também somos atores
E a pesquisa de Penudo
Já mostrou que, sobretudo,
Precisamos de valores.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cordel de Arievaldo Viana


ROMANCE DE LUZIA-HOMEM

Seca de setenta e sete
Estranho e terrível mal
O século é dezenove
E o cenário é Sobral
Sob um sol causticante
Vemos uma retirante
Lá no morro do curral.


O seu talhe é esbelto
E o rosto muito bonito
Possui o braço mais forte
Nesse cenário maldito
Canseiras não a consomem
Lhe chamam Luzia-Homem
Pelo seu jeito esquisito.


O seu pai era vaqueiro
Na fazenda Ipueira
Por não ter um filho homem
Transformou-a em vaqueira
Nas lidas do dia-a-dia
E a fama de Luzia
Corria aquela ribeira.


O pai morreu, veio a seca
Mudou então seu destino
Tornou-se uma retirante
Grão de areia pequenino
No mar da vida jogado…
Só dois amigos a seu lado
Eram Alexandre e Raulino.


Alexandre, moço fino
Fora um dia fazendeiro
E por amor a Luzia
Tornou-se um bom companheiro
Do outro o que se conta
É que foi salvo da ponta
De um touro traiçoeiro.


Raulino Uchôa, o vaqueiro
Era forte e destemido
Quis pegar um touro à unha
Milagre, não ter morrido
Por ironia do destino
Foi o valente Raulino
Por Luzia socorrido.


Agora vamos falar
Da heroína Luzia
Em um casebre afastado
Com a sua mãe vivia
Dona Zefinha doente
Tinha uma asma inclemente
Que aos poucos lhe consumia.


Rumavam as duas peregrinas
Com destino ao litoral
Mas o caminho puxado
Agravou da velha o mal
A pobre mal se arrastava
Por ela, Luzia estava,
Contra a vontade, em Sobral.


Na sua lida diária
Batalhava pelo pão
Mas por ser forte e arredia
Sofria discriminação
Cercada por inimigos
Somente seus dois amigos
Inda lhe davam atenção.


Lá no morro do curral
Tinha um soldado metido
Era um tal de Crapiúna
Sujeito vil, enxerido
Que sempre a perseguia
Se aproximou de Luzia
Visando tirar partido.


Rejeitado com veemência
Não se dava por vencido
Dia a dia foi ficando
Mais ousado e atrevido
Sempre, sempre a lhe cercar
Vivia a se lamentar
Por ser dela preterido.


Vendo então que Alexandre
Era de fato um rival
O soldado Crapiúna
Pensava em fazer-lhe o mal
Mas Alexandre, direito,
Aumentava seu conceito
Na cidade de Sobral.


Conquistou a confiança
Por ser um homem de bem
E tinha em seu poder
As chaves de um armazém
Foi a sua perdição
Porque da vil traição
Não está livre ninguém.


Na porta desse armazém
Os pobres aglomerados
Recebiam um quinhão
Dos mantimentos guardados
O socorro federal
Que diminuía o mal
Daqueles pobres coitados.


Um dia em que Alexandre
Foi ver Zefinha e Luzia
Perguntou à bela jovem
Se com ele casaria
Deu-lhe uma flor perfumada
Sem saber que na cilada
Do soldado cairia.


Pois quando se retirou
Da casa de sua amada
Encontrou no armazém
Uma multidão formada
Lhe acusando de ladrão
Não adiantou então
A inocência protestada.


Terezinha, a única amiga
Que Luzia-Homem tinha
Foi correndo avisá-la
Dessa desgraça mesquinha
Ela a notícia escutando
Correu depressa, deixando
Sua mãe com Terezinha


Chegando ali se prostrou
Aos pés da autoridade
E defendeu Alexandre
Com tanta sinceridade
Que até mesmo o promotor
Viu que acima do amor
Estava ali a verdade.


Porém a justiça é cega
E lenta em seu caminhar
Nisto chegou Crapiúna
E pôs-se dela a zombar
Mas ela tinha guardado
Uma carta onde o safado
Prometia se vingar…


Luzia pega a tal carta
Mostra ao promotor então
Crapiúna com cinismo
Se livra da acusação
Saiu contente o soldado
E Alexandre foi levado
Às grades da detenção.


Luzia seguiu pra casa
Bastante contrariada
Terezinha então lembrou
De uma velha afamada
Que sabia adivinhar
Mas precisava levar
A quantia estipulada.


Responso de Santo Antônio
A poderosa oração
Que para as pessoas cultas
Não passa de um abusão
Pra muitos funcionava
Era o que a velha usava
Para descobrir ladrão


No entanto, Terezinha
Viu uma cena confusa
Mais pareciam ciganos
Da velha terra andaluza
Na cena também foi vendo
O papangu mais horrendo
Numa careta disfusa.


Luzia todos os dias
Com muita dedicação
Levava para Alexandre
O de comer, na prisão.
Porém, uma certa vez
O seu amado lhe fez
Estranha revelação.


Contou que uma tal Gabrina
Moça a quem ele ajudara
Viera a promotoria
E um falso lhe imputara
Mostrou cortes de fazenda
Um par de brincos, outra prenda
Disse que dele ganhara.


Mordida pelo ciúme
Luzia se retirou
E a partir daquele dia
À prisão não mais voltou.
Terezinha, por seu lado
Seguindo o torpe soldado
Todo o crime desvendou.


Pois ela viu Crapiúna
Um baú desenterrar
E de dentro dessa arca
Grande quantia tirar
Separou ele uma nota
E reuniu-se à patota
Para beber e jogar.


Terezinha correu célere
Foi dizer ao delegado
E Crapiúna foi preso
Depois do crime apurado
Soltaram o réu inocente
E ali no mesmo ambiente
Deixaram preso o soldado.


Alexandre resolveu
Ir morar noutra parada
Levando os seus amigos
Dona Zefinha e a amada
Partiu na frente sozinho
Pra arranjar com carinho
Sua futura morada.


Luzia seguiu depois
Com Dona Zefa e Raulino
Mas vejam a negra cilada
Que preparou-lhe o destino
Pois Crapiúna fugiu
E de perto a seguiu
Com seu instinto assassino.


Achando-a só um instante
Tratou de lhe agarrar
Chamando por Alexandre
Pôs-se Luzia a gritar
Travou-se a luta mortal
E aquele bruto animal
Entendeu de lhe matar.


Defendendo sua honra
Luzia ainda lutou
Com suas unhas um olho
De Crapiúna arrancou
E tombou morta em seguida
A sua amada sem vida
Pobre Alexandre encontrou.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mundo Cordel pelo Mundo


CORDEL PARA OS VISITANTES 
DE MOUNTAIN VIEW
Marcos Mairton

O blog Mundo Cordel,
Desde quinze de abril,
Quando recebe um acesso,
Informa de onde partiu.
Foi assim que apareceram
Acessos que procederam
Da distante Mountain View.


Mountain View é uma cidade
Que está localizada
No Estado da Califórnia,
Pelo Pacífico é banhada.
Parece que lá tem gente
Que anda, ultimamente,
No cordel interessada.


Digo isso porque desde
Que comecei a contar
Os acessos que vieram
De todo e qualquer lugar
Percebi que Mountain View
Em muito contribuiu
Para o número aumentar.


Pois dos quase 400
Acessos já recebidos,
De visitantes que estavam
Lá nos Estados Unidos
Quase a metade saiu
Da cidade Mountain View.
Eis os dados conhecidos.


É um número pequeno
Comparado aos quinze mil
Acessos que procederam
Das cidades do Brasil.
Mas, um site em português,
Ter tanto acesso em um mês,
Partindo de Mountain View?


Ter milhares de visitas
Partindo de Fortaleza,
De Recife ou de São Paulo,
Não me causa estranheza.
Mas cento e tantos acessos
De Mountain View, eu confesso,
Para mim é uma surpresa.


Por isso faço um pedido
A você, de Mountain View:
Que me envie um e-mail
Dizendo o que lhe atraiu
A este “Mundo Cordel”
Que expõe este painel
Da cultura do Brasil.

O e-mail é marcos.mairton@uol.com.br

terça-feira, 17 de maio de 2011

Poesia de //Anizão


Chorei na Tapera
 //Anizio
Campina Grande, 17/04/2011.

*
Cada capítulo da vida
É sempre uma caminhada
Completando uma jornada
Passagem por nós vivida
Que nunca é esquecida
Na nossa mente é gravada
Sendo pra sempre lembrada
Num passado de esmera
Hoje eu chorei na tapera
Onde foi minha morada.

Se a vida é um livro escrito
O meu estou editando
Se o tempo está passando
Não quero ficar aflito
Vou fazendo o manuscrito
De toda minha jornada
Não importa a caminhada
Tudo termina em quimera
Hoje eu chorei na tapera
Onde foi minha morada.

Descrevi todos os momentos
Dos dias por mim vividos
Alegres e descontraídos
E de alguns sofrimentos
Se não foi tudo eu lamento
Escreverei outra lauda
Pra ficar toda contada
Histórias de minha era
Hoje eu chorei na tapera
Onde foi minha morada.

Não vou escrever agora
Da minha vida o futuro
Ainda sou prematuro
Mas o presente é vitória
Cantando escrevo a história
A hora é apropriada
Pra escrever a jornada
Pois à vontade me impera
Hoje eu chorei na tapera
Onde foi minha morada.

sábado, 14 de maio de 2011

Conto-Cordel de Marcos Mairton


O ÚLTIMO CORDEL
Marcos Mairton
Publicado originariamente em "Contos, Crônicas e Cordéis

Já havia alguns meses que o velho poeta estava prostrado naquela cama de hospital. Muitas foram as vezes em que as enfermeiras comentaram que daquele dia ele não passaria. Mas o dia terminava e ele continuava firme. Quando dava a impressão de que não veria o amanhecer, acordava melhor. 

E o mais incrível era que, apesar da saúde tão debilitada, todo dia o velho poeta aparecia com versos novos. Às vezes uma simples quadrinha, falando da luz do sol que entrava pela janela; outras vezes um romance inteiro de cordel, em sextilhas, septilhas ou décimas; outras ainda, decassílabos elogiando os dotes físicos de alguma das enfermeiras ou reclamando da comida.

Ele escrevia os versos em um caderno e depois os declamava, geralmente depois do jantar. Quando estava muito abatido e não conseguia ler em voz alta, pedia a alguma enfermeira que fizesse a leitura. As pessoas que trabalhavam ali, e até os outros doentes daquela enfermaria, divertiam-se com aquilo e afeiçoavam-se ao velho poeta.

Com o tempo, a doença foi se agravando e ele não pôde mais escrever. Pediu então, a um de seus filhos, um gravador, para que pudesse continuar criando seus versos sabendo que depois alguém os passaria para o papel. Isto fez com que o velho poeta se tornasse uma atração ainda mais especial daquele lugar. Gente que trabalhava nas outras enfermarias - e até em outros andares do prédio - passava por lá e se demorava perto do seu leito para ouvi-lo gravando as declamações de seus versos.

Um dia ele recebeu a visita de um repórter. O jovem jornalista queria saber da sua vida, das suas obras, mas, principalmente, da sua capacidade criativa, estando tão doente. Afinal de contas, a história de seus dias fazendo versos no hospital havia se espalhado e agora ele estava bem mais famoso do que fora em toda a sua vida.

O velho poeta respondia com boa vontade - e até com alegria - cada uma das perguntas. A certa altura, o repórter perguntou, como quem encaminhava a entrevista para o final:

- Depois de tantos cordéis, tantos poemas, tantas histórias de heróis, fadas e amores proibidos, ainda ficou faltando algum assunto que você gostaria de tratar em seus versos?

O velho olhou para a porta da enfermaria por alguns segundos, pensativo. Os olhos fixos no vazio, como se observasse imagens que só ele via. Depois, ligou o gravador e pediu ao repórter que também ligasse o dele, pois tinha mais uma história para contar. E começou.

O velho poeta estava
Na cama de um hospital
Dando uma entrevista
Ao repórter de um jornal,
Mas, no meio dessa prosa,
Uma mulher bem formosa
Chegou naquele local.

Ela estava bem vestida,
Elegante e perfumada,
Entrou sem fazer barulho,
Discreta e muito educada.
Em seguida, aquela dama
Postou-se ao lado da cama
E ficou sem dizer nada.

O velho continuou
O que já estava fazendo.
Às perguntas do repórter
Prosseguia respondendo.
E, enquanto o tempo passava,
A mulher observava
O que ia acontecendo.

A verdade é que o poeta
Desde cedo esperava
A chegada da mulher
Que agora ali estava.
Pois há meses ela ia
Ver o velho todo dia
E ali horas ficava.

Apesar disso, o poeta
Não lhe deu muita atenção.
Falava com o repórter,
Dando mesmo a impressão
De que estava incomodado
Com a mulher ao seu lado,
Feito um anjo guardião.

O tempo ia passando
E o velho não se calava.
Até mesmo o repórter
Nada mais lhe perguntava,
Pois o poeta dizia,
Em forma de poesia,
Cada coisa que lembrava.

Até que, uma certa hora,
A mulher se irritou.
Ficou de frente pro velho
E nos seus olhos olhou,
Disse: “Não quero ser rude.
Esperei tudo o que pude,
Mas agora terminou”.

“Faz meses que todo dia
Venho aqui pra lhe buscar,
Mas você encontra um jeito
De eu nunca lhe levar.
Pede sempre mais um dia,
Para alguma poesia
Que ainda tem de terminar”.

“Eu, que não sei fazer versos,
Mas acho lindo quem faz,
Sem querer vou lhe deixando
Ficar sempre um dia a mais,
E você, espertamente,
Usa desse expediente
Para me passar pra trás”.

“Agora é essa entrevista
Que parece não ter fim.
Que poeta embromador!
Nunca vi alguém assim.
Mas, chega desse tormento,
Não vou mais dar cabimento
Pra você zombar de mim”.

O velho fez uma pausa e pediu um pouco d’água. Respirava com dificuldade. A voz estava fraquinha, abafada, como se saísse de dentro de uma mala fechada. 

O repórter olhava espantado. Será que todos aqueles versos estavam sendo recitados de improviso? Ou o poeta já os havia criado antes, os guardou na memória e agora estava apenas declamando? De um jeito de outro, aquele homem velho e moribundo era um verdadeiro gênio.

Enquanto o repórter fazia essas conjecturas, o poeta respirou fundo e prosseguiu, falando pausadamente.

Então o velho entendeu
Que não adiantaria 
Encompridar a conversa
Nem fazer mais poesia.
Era hora da partida,
Desta para a outra vida,
Chegara enfim o seu dia.

De partir nessa viagem
O velho ficou com medo,
Mas a mulher disse a ele:
“Vou lhe contar um segredo:
Se você tivesse visto
Pra onde vai, eu insisto,
Tinha ido bem mais cedo”.

“O lugar do seu destino
Tem paz e tem alegria,
Tem amizade de todos,
Tem amor, tem harmonia
E uma turma preparada
Pra fazer, na sua chegada,
Uma grande cantoria”.

O velho inda duvidava
Que ela falasse a verdade,
Mas, ia fazer o quê,
Doente e naquela idade?
O jeito, então foi seguir,
E finalmente partir
Em busca da eternidade.

A mulher de quem eu falo,
O senhor já percebeu,
É a morte, que, nesse instante,
A sua mão me estendeu.
Então, o velho, cansado,
Naquela cama deitado,
Deu um suspiro...

E a voz do velho se calou para sempre, pelo menos por estas bandas. Não conseguiu pronunciar as últimas palavras do último verso, mas elas ecoaram na mente do repórter, das enfermeiras, dos médicos e dos outros empregados do hospital que se haviam aglomerado em redor de seu leito. 

A partir de certo ponto, todos haviam percebido que aquele seria o seu último cordel.