sábado, 30 de abril de 2011

Cordel na Bélgica


Bruxelas, Bélgica: 
Mostra de Arte Postal
EU AMO A CULTURA BRASILEIRA

Caros visitantes deste Mundo Cordel,

Enviei ontem, para a Mostra de Arte Postal «Eu Amo a Cultura Brasileira», no âmbito da 3a Bienal de Artes Brasileiras de Bruxelas, oito de meus livros e um banner apresentando as capas dos livros em cordel e trechos de suas estrofes.

A convocação foi feita pela artista plástica 
Inêz Oludé, que é a diretora da Bienal, e informa que a mostra reúne qualquer aspecto da cultura brasileira.



Os interessados em expor enviem o material para o seguinte endereço:



Rue Saint Bernard, 17- bte 54
1060 Bruxelas 
Bélgica

Maiores detalhes nos endereços:

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Comentário de José Romero ao cordel de Antonio Francisco


As causas da fome na visão 
do cordelista Antônio Francisco
José Romero Araújo Cardoso
Geógrafo e Professor da UERN

A desnutrição crônica é um drama que aflige milhares de pessoas em todo mundo, sobretudo na mais carente região do planeta, conhecida por terceiro mundo desde que o demógrafo francês Alfred Sauvy enfatizou classificação conforme o grau de desenvolvimento dos países, tomando como referência os estamentos da Assembléia Nacional Francesa pré-revolucionária.


A voz de um brasileiro que se tornou cidadão do mundo denunciou o flagelo da fome como produto da exploração do homem pelo homem. Josué Apolônio de Castro se notabilizou pela intransigência com que defendeu o acesso pleno de toda a população do globo a uma quota alimentar diária compatível à dignidade humana, exigindo a abolição dos contrastes que separam ricos e pobres. Pregou ainda, com entusiasmo, a adoção de um modelo sócio-econômico que privilegiasse o verdadeiro desenvolvimento humano sem agredir o meio ambiente.


A Coleção Queima-Bucha de Cordel nº 21 destaca uma preciosidade da cultura popular com profundos vínculos com a mesma essência que marcou a produção científica de Josué de Castro. Tem o título de A Casa que a Fome mora, de autoria do menestrel da Literatura de Cordel mossoroense de nome Antônio Francisco.


Buscando o rosto da fome, o autor envereda nas trilhas da exclusão, intuindo encontrar àquela que tantos estragos tem causado à vida dos marginalizados. Em aglomerados sub-normais tenta a todo custo identificar o verdadeiro e real sentido que enfatiza suas causas, não o percebendo em razão deste não estar vinculado à decisão daqueles que estão à margem dos benefícios do processo e construção social.


Os efeitos são identificados através de semblantes destroçados pelo doloroso drama que assola a humanidade, mas a casa onde a fome mora passa longe dos guetos, becos e vilas das favelas tristemente célebres como cenários de dor e desilusão.


Há de ressaltar que quando da publicação de Geografia a Fome, em 1946 e da Geopolítica da Fome, em 1951, havia maior parcela da população terceiromundista habitando a zona rural, ao contrário de hoje, quando países como o Brasil apresenta mais de 80% de seus habitantes no espaço urbano, o que personifica verdadeiro caos em que a desnutrição assume papel preponderante dentro dos problemas sociais verificados na conjuntura.


Antônio Francisco, com invulgar brilhantismo, primando por sua indisfarçável preocupação humanitária, esboça o pavor de quem enxerga com clarividência as distorções interclasses como os mais graves distúrbios sociais responsáveis pela fome e pela miséria que encarcera seres humanos com sonhos e anseios nos grilhões da exclusão fabricada perversamente a fim de garantir a manutenção do status quo, dos privilégios de uma minoria acintosamente beneficiada.


O cordelista, afinal, consegue identificar a casa onde a fome mora, caracterizada pela opulência e pela ganância, estruturada na injustiça e no descaso com os dramas dos semelhantes. A fome aparece como uma mulher divinamente bem vestida, bem nutrida, ao contrário do que imaginava, não era magricela e nem desdentada, mas muito formosa e cheia de vida, alimentada com os frutos perniciosos auferidos com a corrupção e com a falta de amor ao próximo.


Não é nas favelas onde a casa da fome se localiza, mas na high society, no circuito poderoso que abriga os donos do poder, de cujos pensamentos se voltam plenamente à manutenção da continuidade da exclusão como forma de garantir privilégios, dando ênfase a métodos escusos e desprovidos a fim de implementar tal tendência universal.




A CASA QUE A FOME MORA
Antonio Francisco
Coleção Queima-bucha de Cordel, Mossoró-RN, Outubro de 2006


Vi o orgulho ferido
Nos braços da ilusão,
Vi pedaços de perdão
Pelos iníquos quebrados,
Vi sonhos despedaçados
Partidos antes da hora,
Vi o amor indo embora
Vi o tridente da dor,
Mas nem de longe vi a cor
Da casa que a fome mora:


Vi num barraco de lona
Um fio de esperança,
Nos olhos de uma criança,
De um pai abandonado,
Primo carnal do pecado,
Irmãos dos raios da lua,
Com as costas semi-nuas
Tatuadas de caliça
Pedindo um pão da justiça
Do outro lado da rua.


Vi a gula pendurada
No peito da precisão,
Vi a preguiça no chão


Sem ter força de vontade,
Vi o caldo da verdade
Fervendo numa panela,
O jejum numa janela
Dizendo: aquí ninguém come!
Ouvi os gritos da fome,
Mas, não vi o rosto dela.


Passei a noite acordado
Sem saber o que fazer,
Louco, louco pra saber
Onde a fome residia
E por que naquele dia
Ela não foi na favela
E qual o segredo dela,
Quando queria pisava
Amolecia e matava
E ninguém matava ela?


No outro dia eu saí
De novo á procura dela,
Mas não naquela favela,
Fui procurar num sobrado
Que tinha do outro lado
Onde morava um sultão.
Quando eu pulei o portão
Eu vi a fome deitada
Em uma rede estirada
No alpendre da mansão.


Eu pensava que a fome
Fosse magricela e feia,
Mas era uma sereia
De corpo espetacular
E quem iria culpar
Aquela linda princesa
De tirar o pão da mesa
Dos subúrbios da cidade
ou pisar sem piedade
Numa criança indefesa?


Engoli três vezes nada
E perguntei o seu nome.
Respondeu-me: sou a fome
Que assola a humanidade,
Ataco vila e cidade
Deixo o campo moribundo,
Eu não descanso um segundo
Atrofiando e matando
Me escondendo e zombando
Dos governantes do mundo.


Me alimento das obras
Que são superfaturadas,
Das verbas que são guiadas
Pros bolsos dos marajás
E me escondo por tráz
Da fumaça do canhão,
Dos supérfluos da mansão,
Da soma dos desperdícios,
Da queima dos artifícios
Que cega a população.


Tenho pavor da justiça
E medo da igualdade,
Me banho na vaidade
Da modelo desnutrida,
Da renda mal dividida
Na mão do cheque sem fundo,
Sou pesadelo profundo
Do sonho do bóia fria
E almoço todo dia
Nos cinco estrelas do mundo.


Se vocês continuarem
Me caçando nas favelas,
Nos lamaçais das vielas
Nunca vão me encontrar,
Eu vou continuar
Usando meu terno xadrez,
Metendo a bola da vez,
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Da burrice de vocês.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Poesia de Anizão


AS INJUSTIÇAS DA VIDA

//Anízio, 17/04/2011
Campina Grande


A vida é muito injusta
Do jeito que ela termina
Começa tudo novinho
Mas veja como ela finda
Pegado em uma bengala
Tremendo as pernas e a fala
E querendo viver ainda.
*
A vida era muito boa
Vivida toda ao contrário
Começando em um asilo
E terminando num berçário
Mamando os peitos durinho
De uma mãe com carinho
Em um bonito cenário.
*
Ser do asilo chutado
Por estar forte e robusto
Estando já homem forte
Seguir outros estatutos
Tendo mulher pra casar
Ter filhos para criar
Vivendo a fase de adulto.


Voltava para os estudos
Com gatas pra namorar
Transando sem compromisso
Pois não mais ia casar
Esse tempo já passou
Sua vida regressou
Bem mais novo vai ficar.
*
Assim a vida seria
Bem melhor aproveitada
Vinha logo o sofrimento
Vivendo a vida passada
Findava na mocidade
Zerando a sua idade
Num mar de felicidade.
*
Mas se tudo é diferente
Vamos a Deus agradecer
Viver alegre o presente
Para bem melhor viver
Sabendo que na velhice
Vamos fazer babaquice
A espera pra morrer.
*

segunda-feira, 25 de abril de 2011

O primeiro cordel






FAZENDO CORDEL

Sempre chegam comentários em versos a este Mundo Cordel. De vez em quando tiro um tempo para dar uma olhada neles com mais calma e me surpreendo com as maravilhas que encontro.

Hoje estive revendo versos que aqui chegaram em fevereiro de 2009, de autoria de Vana Fraga, que se autodenomina Pequena Poetisa. 

Pelo texto, parece ser sua primeira tentativa de fazer um cordel. Parabéns, Pequena Poetisa, pela iniciativa. 

Como você bem diz, "O cordel nunca vai acabar". É por causa de pessoas como você que ele vai continuar vivendo!




Para Fazer Um Cordel
Pequena Poetisa, Vana Fraga

Para Fazer Um Cordel
Não Precisa Ser Coronel
Muito Menos Ter Anel
Aquele De Bacharel!!!

Parece Ser Muito Difícil
Pois Nunca Fiz Isso
No Começo Me Enguiço
Até Parece Feitiço!!!

Lá Vou Eu Aventurar
Pra Ver No Que é Que Dá
Não Conheço Cordel
Feito Aqui No Paraná!!!

Peguei Caneta e Papel
Comecei A Escrever
Deve Ser Primeira Aula
A Que Hoje Vou Ter!!!

Vou Anotar Tudinho
Pra Ficar Bem Bonitinho
Com Dedicação e Carinho
Farei o Primeiro Cordelzinho!!!

Sei Muito Bem Rimar
Tenho Na Língua o Versejar
Sem Saber Por Onde Começar
O Cordel Nunca Vai Acabar!!!

Escreve Aqui “Lê Ali”
Já Começou A Sair
Antes De Esta Noite Chegar
O Meu Cordel Vai Findar!!!

Aprendi Uma Lição
Pro Negócio Ficar Bom
Os Versos Trovados
Travo No Mesmo Tamanho!!!

Fiquei Encantada
Que Coisa Gozada
Tudo Bem Rimado
E O Cordel Esta Findado!!!

Se Aprendi Não Sei
Mas Que Gostei Gostei
Muitos Ainda Farei
Para Alegrar Você Meu Rei!!!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Poeta da Saudade

Antônio Pereira de Moraes – O Poeta da Saudade
José Romero Araújo Cardoso

      Conhecido como o poeta da saudade, Antônio Pereira nasceu a 13 de novembro de 1891, no sítio Jatobá, hoje município de Itapetim, onde viveu até a morte, a 07 de novembro de 1982. Violeiro e poeta popular, ele mal assinava o nome e nunca fez da arte a sua profissão, tendo sobrevivido como modesto agricultor.

       Antônio Pereira participava de jornadas de improviso apenas com os amigos e os seus versos sobreviveram ao tempo porque eram repassados verbalmente pelos seus admiradores que os decoravam. Em 1980, com a ajuda de amigos, publicou seu único folheto, "Minhas Saudades", uma coletânea de sua poesia.

Alguns versos do poeta:

Saudade é um parafuso
Que na rosca quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo num vai
E enferrujando dentro
Nem distorcendo num sai.

Saudade tem cinco fios
Puxados à eletricidade,
Um na alma, outro no peito,
Um amor, outro amizade,
O derradeiro, a lembrança
Dos dias da mocidade.

Saudade é como a resina,
No amor de quem padece,
O pau que resina muito
Quando não morre adoece.
É como quem tem saudade
Não morre, mas adoece.

Adão me deu dez saudades
Eu lhe disse: muito bem!
Dê nove, fique com uma
Que todas não lhe convêm.
Mas eu caí na besteira,
Não reparti com ninguém.

No Silêncio da Saudade
Quem ama sofre calado,
Ausente de seu amor!
Tornando-se um sofredor…
Porque não ver ao seu lado,
Seu coração é magoado!

Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

************************

Se a saudade matasse/
No túmulo eu já vivia/
Há muito eu já residia/
Mas continuo no impasse/
Se o meu amor voltasse/
Essa saudade morria/
A mim não pertubaria/
A vida era um mar de rosa/
Cantando e falando prosa/
Na vida eu tinha alegria…/

**********************

Quem ama sofre calado/
Seu peito é triteza e dor/
Tornando-se um sofredor…/
Porque não tem ao seu lado,/
Seu amor mais desejado/
Pra viver não tem ação…/
Seu mundo vira ilusão…/
A tristeza a mente invade…/
No silêncio da saudade!/
Só quem fala é o coração./
************************

sábado, 16 de abril de 2011

Cordel em Brasília


No dia 12 de abril de 2011, a BIBLIOTECA DEMONSTRATIVA DE BRASÍLIA (W/3-SUL, EQ.506/7) inaugurou exposição comemorativa do Mês do Livro “O CORDEL” . Na ocasião foi prestada homenagem ao cordelista PAULO NUNES BATISTA, cordelista, advogado e jornalista, paraibano radicado em Goiás. Nascido em uma família tradicional 
de cordelistas, sendo neto de Ugolino, um dos pioneiros do cordel no Brasil, sua trajetória inclui atividades de cobrador de ônibus e 
trabalhador braçal a jornalista e professor. Hoje, aos 86 anos, é respeitado por acadêmicos e admirado pelo público. É autor de mais de 140 folhetos de cordéis e seis livros, e membro da Academia Goiana de Letras.
O cordelista ARIEVALDO VIANA fez uma bela homenagem em versos a PAULO NUNES BATISTA. 



HOMENAGEM A PAULO NUNES BATISTA
Autor: ARIEVALDO VIANA


É uma justa homenagem
Para um renomado artista
Escritor de nomeada
Inspirado cordelista
Lenda viva da poesia
O Paulo Nunes Batista.

Filho de Chagas Batista
Um famoso menestrel,
No universo das letras
Desempenha o seu papel
Levando sempre adiante
A bandeira do cordel.

É autor de vários livros
E centenas de folhetos
E compõe, com maestria
Acrósticos, glosas, sonetos
Transborda filosofia
Até mesmo em poemetos.

Um literato de fibra
Sob meu ponto de vista,
Espírito humanitário
Quem tem saber altruísta
Parabéns à Biblioteca
E ao PAULO NUNES BATISTA.
Ficou órfão muito cedo
Mas venceu este empecilho
Estava predestinado
A ser poeta de brilho
Quando criança ajudava
Manoel D’Almeida Filho.

Descende de um velho tronco
Da fina-flor repentista
Do qual brotaram Hugolino
E Agostinho Batista;*
Seu mano, o Sebastião
Também foi bom cordelista.

* Hugolino do Sabugi e Agostinho Nunes da Costa são ancestrais de Paulo Nunes Batista. Do grande poeta Agostinho Nunes da Costa (1797 – 1858), seu bisavô, ficou registrada essa bela estrofe onde fica evidente o desejo de liberdade que sempre alimentou essa família de poetas:

Nasci livre, Deus louvado
E até sem medo fui feito
Porque meu pai, com efeito,
Com minha mãe foi casado;
Também nunca fui pisado
Como terra ou capim
E se alguém pensar assim
É engano verdadeiro:
Olhe para si primeiro
Quem quiser falar de mim.

Voltemos ao Paulo Nunes, nosso homenageado:

Ainda na Era Vargas
Enfrentou a Ditadura
Ingressou no Partidão
Com alma sincera e pura
A arma que mais usou
Foi sua literatura.

Viveu no Rio de Janeiro
Aonde foi estudante
Porém a mão do destino
O lançou na vida errante
Até que chega em Goiás
Do seu Nordeste distante.

Comunista e agnóstico
E nesta louca ciranda
Paulo Nunes vai um dia
Num terreiro de Umbanda
Sua vida, nesse instante,
Recebe outra demanda.

Uma surra dos “caboclos”
Naquele dia levou
E por ver a coisa séria
Naquela seita ingressou
Mais tarde, o Espiritismo
De Allan Kardec abraçou.

Sobre seu ingresso na Umbanda e suas convicções políticas, assim se expressou o poeta:

Inimigo de tiranos
Tenho horror à hipocrisia
Para festejar a Vida
Troco a noite pelo dia.
O caboclo “Cachoeira”
É – nas Umbandas – meu guia...

O certo é que Paulo Nunes
Não levou a vida a esmo
Nem esqueceu o Nordeste,
Da rapadura e torresmo,
Vejamos umas estrofes
Do ABC para mim mesmo:

“Operário da caneta,
Já vivi só de escrever.
Poeta de profissão
Em Goiás pude viver
Dos folhetos que escrevia
Para nas praças vender.

Trovador: escrevo trovas,
Sonetos, sambas, canções,
Contos rimados, poemas,
Num mar de improvisações,
Tenho setenta folhetos
Com diversas edições.

Versejador, viajante,
Das estrelas do Repente:
Abro a boca, o verso nasce,
Como nasce água corrente,
Tenho feito alexandrinos
Em três minutos somente...”

O certo é que Paulo Nunes
É bamba na poesia
Em 2000 ele ingressou
Na goiana Academia
De Letras e se orgulha
Desse luminoso dia.

FIM
Fortaleza, 13 de março de 2011

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Causo de Luiz Berto sobre Orlando Tejo


UM CAUSO BEM CONTADO


De tantas coisas boas que já li no Jornal da Besta Fubana, uma das melhores foi, sem dúvida, um caso contado por Luiz Berto Filho, o Papa Berto I, sobre o poeta Orlando Tejo. De vez em quando volto ao JBF só para reler o causo. Então resolvi trazer para o Mundo Cordel, pelo menos assim compartilho com os leitores deste blog.


Para quem não sabe muito sobre Orlando Tejo, seguem alguns dados que pesquei do Jornal da Poesia:


ORLANDO TEJO, (Campina Grande, PB, 1935), é jornalista, ensaísta , boêmio e poeta. Colaborou em inúmeros jornais, destacando-se: Dário da Borborema, Campina Grande, Jornal do Commércio, Recife, Diário de Pernambuco, Recife, Correio Braziliense, Brasília, entre outros. Escreveu vários livros,  dentre os quais: Zé Limeira – Poeta do Absurdo, (ensaio), A hora e a vez do jumento, (teatro), As noites do Alvorada (poesia) e, ainda inédito, Se não foi eu cegue, (memórias). Tem textos, crônicas, poemas, crítica literária, dispersos em vários jornais e revistas no Brasil e no exterior. Alguns poemas seus foram musicados por grandes interpretes da música popular brasileira. Sobre seu livro Zé Limeira – Poeta do Absurdo, afirmou José Américo de Almeida, “o poeta Orlando Tejo expõe uma matéria nova para ser analisada pela crítica moderna”. Orlando Tejo reside atualmente em João Pessoa. (2009)


Segue a histporia:


ORLANDO TEJO E O AGIOTA
Luiz Berto

Era manhã de segunda-feira e Orlando Tejo invadiu minha sala num aperreio que não era de seu costume.


- Berto, tô encalacrado.


Não sei se vocês sabem, mas Orlando Tejo é o sujeito mais calmo e descansado desse mundo, incapaz de se aperrear até dentro de uma casa em chamas. Mas naquela manhã, o homem estava mais agoniado do que bacorinho em caçuá.


A tranqüilidade habitual, emoldurada pelas serenas baforadas no cachimbo, fora substituída por um avexamento que, francamente, deixou-me curioso. E largou o seu problema sem mais demoras:


- É o seguinte: o novo gerente da Caixa Econômica é meu leitor e se tornou meu amigo. Assumiu a agência e me deu um cheque especial na sexta-feira. Resultado: já estourei o limite em trinta mil cruzeiros neste fim-de-semana.


Conhecedor da total inabilidade de Orlando para gerir suas finanças, para mim não foi surpresa o estouro no limite do cheque especial. Surpreendente era a velocidade com que isso se dera. Recebera o cheque na sexta-feira e na segunda já estava pendurado. Em verdade, suas habilidades aritméticas limitavam-se à soma das mais alegres lembranças, à subtração de tristezas, à multiplicação da imensa legião de amigos e à divisão de uma ternura e de um lirismo que só mesmo pessoas encantadas como Tejo estão autorizadas a ter.


Expliquei-lhe que estava duro e não poderia ajudá-lo no momento. Estava sendo tão franco quanto, com a mesma franqueza, lhe arranjaria imediatamente a miserável quantia, caso a tivesse, para não vê-lo naquele sufoco. Funcionário público só vê a cor do dinheiro no fim do mês e, por infelicidade, estávamos ainda no início da segunda quinzena. Tentei explicar-lhe isso com tranqüilidade, mas ele parecia insensível a qualquer argumento.


- Mas eu não posso é ficar desmoralizado perante o gerente, que é meu conterrâneo da Paraíba e me deu o cheque especial em confiança, por amor aos meus escritos. Um admirador, em resumo. Vai ser muito chato…


Expliquei-lhe que pessoalmente não podia fazer nada. Mas lembrei-lhe que, como em toda boa repartição pública, a Câmara tinha o seu agiota de plantão para socorrer os desesperados naquelas precisões agoniosas. O anjo da guarda dos necessitados, acudidor de precisões prementes, tão injustamente malhado pelas pessoas gradas, mas capaz de salvar um vivente de um sufoco sem fazer fichas, preencher cadastros, telefonar para o SPC ou exigir promissórias registradas em cartório. E dei a indicação ao Tejo:


- É só você procurar o Canindé.


Meu amigo João Canindé Tolentino Ribeiro entrou nessa história como Pilatos entrou no Credo. Tão lascado quanto qualquer um de nós, apenas estabelecia o contato entre o agiota e os possíveis fregueses, não ganhando nada com isso, salvo o fato de se beneficiar com um juro mais baixo quando também precisasse de dinheiro. Orlando Tejo não sabia quem era Canindé, mas já tratou-o com uma familiaridade que era bem do seu estilo.


- Então ligue logo para esse filho-da-puta desse Canindé, e diga que eu preciso de trinta.


Liguei para Canindé e ele disse que só poderia dar a resposta de tarde. Estávamos ainda no começo da manhã. Tejo não gostou mas teve que se conformar e, logo após o almoço, já estava de novo na minha sala à espera de notícias. Francamente, nunca lhe vira tão agoniado.


- Ligue logo para esse filho de uma égua, pelo amor de Deus.


Canindé mandou dizer que, se o dinheiro saísse, só sairia no dia seguinte. terça-feira. Transmiti o recado ao Tejo e ele desesperou-se.


- Explique a esse filho-da-puta que desse jeito vai ser tarde demais. Os cheques que emiti devem entrar hoje à noite.


Desolado com o drama do meu amigo, acompanhei com o olhar a sua saída nervosa, pitando furiosamente o cachimbo e maldizendo a sorte. A aura de lirismo que marcava sempre sua figura estava seriamente arranhada pela agonia que transpirava dos seus poros. Pobre Tejo, necessitado de trinta neste vasto mundão de meu Deus e ninguém para acudi-lo…


No dia seguinte, quando cheguei à minha sala, já o encontrei de plantão, sorrindo, esperançoso.


- Acabei de me informar no banco: nenhum cheque entrou ainda. Ligue logo para esse miserável desse Canindé.


Liguei. Canindé informou que só à tarde. Transmiti a informação ao Tejo.


- Assim não dá! Esse filho-da-puta quer me matar.


Na primeira hora da tarde volta Tejo avexado.


- Ainda não entrou cheque nenhum. Ligue de novo.


Liguei e Canindé disse para ligar dai a meia hora. Transmiti a informação. Tejo deu uma puxada no cachimbo e caminhou um pouco pela sala sem falar nada. Ficou de costas para mim, olhando um ponto indefinido na parede em frente. Sentou-se numa poltrona.


E, então, baixou o santo: Tejo ficou calmo de repente, me pediu uma folha de papel e começou a rabiscar. Eu acompanhava com um rabo-de-olho e procurava não perturbar, pois sabia que ele estava em pleno processo de criação. A mão corria devagar pelo papel e, de vez em quando, ele fazia pequenas pausas como se estivesse conferindo o que já havia escrito. Estava tranqüilo e era outro homem, bem diferente daquele que há poucos instantes necessitava desesperadamente de trinta.


Levantou-se e me passou umas folhas naquela sua caligrafia miserável que eu já estava habituado a decifrar. A letra de Tejo, qual moderna Pedra da Roseta, exige as habilidades de um novo Champollion para trazê-la ao entendimento dos mortais comuns.


Comecei a ler e me dei conta da preciosidade que tinha em mãos. Aquilo, realmente, era uma obra de Tejo e ali estava o seu espírito paraibano, nordestino, poético, moleque, imprevisível por inteiro. Dar uma trégua ao aperreio para parir um negócio daqueles, só mesmo vindo dele.


Para se entender o acontecido, vale ressaltar que a história se passava na Câmara dos Deputados, cujo presidente, à época, era o Deputado Flávio Marcílio e que Delfim Netto era o então Ministro da Fazenda. Um tempo tão da porra que ninguém jamais será capaz de esquecer…


Vou transcrever do jeito que ele me deu.


LOUVAÇÃO A CANINDÉ


Estando sem um tostão
E me encontrando bem perto,
Fui procurar Luiz Berto
Para alguma solução.
Berto disse: “Meu irmão,
Eu também queria até
Fazer um querrequequé
Daquele que o diabo pinta
Para ver se arranco trinta
Do bolso de Canindé.


E toca a telefonar
E Canindé a correr,
Mas não pôde se esconder
E teve que tapear:
“Pela manhã não vai dar,
Porque de tarde é que é
Bom para a coisa dar pé.
Aguarde, portanto, amigo”.
Berto ficou de castigo
Esperando Canindé.


E eu que necessitava
Também da mesma quantia
Me fiei nessa franquia
Que Canindé propalava
Quando eu menos esperava
O safado, de má fé,
Filho de puta ralé,
Disse que hoje não tem nada…
Ah! uma foice amolada
No chifre de Canindé.


Eu já podia notar
E mudar de interesse
Que um cabra com um nome desse
Não poderia prestar.
Entretanto, vou esperar
Até amanhã com fé.
Se ele me deixar a pé,
Juro por Nossa Senhora:
Corto de pau uma tora
E vou matar Canindé.


O cabra fuma e não traga
Faz do crime o seu idílio!
Onde está Flávio Marcílio
Que não demite esta praga?
Ao menos dava-se a vaga
Pra um sujeito de fé,
Já que esse indivíduo é
Um tratante e delinqüente
Haja chumbo grosso e quente
No rabo de Canindé.


Por capricho do destino
De Satanás ou Deus Brama,
O bicho também se chama
Coisa e tal e Tolentino,
Doido, avarento e mofino,
Não conhece a Santa Sé,
Faz da cola o seu rapé,
Vive da desgraça alheia,
Devia estar na cadeia
Esse tal de Canindé.


Não sei como Luiz Berto
Este escritor inspirado,
Toma dinheiro emprestado
A um ladrão tão esperto,
Que representa um deserto
De trabalho, amor e fé,
Que anda de marcha ré
Pela estrada da virtude
E além de covarde e rude
Se assina por Canindé.


Antes quero outro “pacote”
Desemprego, moratória,
Ver Delfim contar história,
Comer carne de caçote,
Levar chumbo no cangote,
Me abraçar com jacaré,
Beber caldo de chulé,
Dar o rabo a marinheiro,
Do que tomar um cruzeiro
Emprestado a Canindé.


Corri para a máquina de escrever a fim de botar em letra de forma a tradução dos garranchos e, quando comecei a datilografar, o telefone tocou.


Fiquei incomodado com o toque da campainha. Atendi a contragosto , com a esperança de que a conversa fosse breve. Era o Canindé.


- Diga ao seu amigo que o dinheiro saiu. Pode vir apanhar.


Ai eu ri gostoso! Depois daquela “louvação”, eu queria ver qual a reação do meu amigo diante da liberação do dinheiro.


Acabaram-se os aperreiros. O mundo voltava ao normal e tornava a correr nos eixos. Dei a notícia ao Tejo e ele me olhou morrendo de alegria. Parecia um menino.


- Saiu? Então me dê ai outro papel que eu vou escrever de novo.


Mandei alguém ir buscar o dinheiro enquanto Tejo se ajeitava num canto e começava a escrever novamente. Parece que a boa noticia fazia-o escrever mais ligeiro. A caneta deslizava sem interrupções sobre o papel. Até as baforadas do cachimbo boiavam coloridas. Olhou a sua obra, deu um sorriso maroto e me passou a papelada.


Saiu o seguinte:




NOSSO AMIGO CANINDÉ


Um sujeito despeitado,
Desses de baixa maré,
Inventou que Canindé
É um canalha safado.
Eu fiquei preocupado
Com a informação ralé,
Porém não perdi a fé
Em quem merece louvores…
E haja palmas e haja flores
Na fronte de Canindé.


Tenho dito e sustentado
(Todo mundo sabe disso)
Que na Câmara, esse cortiço,
Há um cidadão honrado,
Pai de família extremado,
Homem de bem e de fé!
O Papa já disse até
Que há no torrão brasileiro
Padre Cícero em Juazeiro
E em Brasília, Canindé.


Sei que o Papa tem razão,
Mas ninguém quer saber disto.
Se já falaram de Cristo,
Que se dirá de um cristão
Porém a fofoca não
Atinge um homem de fé.
E se eu descobrir quem é,
Meto a mão no pé do ouvido
Do sem-vergonha enxerido
Que falar de Canindé.


Canindé - nome decente!
Tolentino - ô nome macho!
Ribeiro - lindo riacho
Que mata a sede da gente!
Honrado, amigo e valente,
Subiu da glória o sopé…
A Virgem de Nazaré
Já lhe envolveu com seu manto,
Por isso um caminho santo
Vai trilhando Canindé.


Canindé pra ser beato
Só falta mesmo a batina,
Pois tem vocação divina
Pureza, fé e recato!
Por isso ele é o retrato
Mais fiel de São José
E já se comenta até
Que Frei Damião Bozano
Sugeriu ao Vaticano
Canonizar Canindé.


Mas sabem por que razão
Já querem canonizá-lo?
É por causa de um estalo
Que recebeu nosso irmão
Lá nas margens do Jordão,
Ao lado de São Tomé,
Quando dava cafuné
Numa velhinha doente
E morreu a penitente
Nos braços de Canindé.


Nesse chão onde ele pisa,
Por ser grande patriota,
Se faz até de agiota
Pra ajudar a quem precisa.
Mas não comercializa
A sua alma de fé!
Jamais ganhou um café
Pelo dinheiro que empresta…
A caridade é uma festa
Para a alma de Canindé.


Santo Agostinho, dos santos
Foi o mais puro entre os ermos
Que consolava os enfermos
E lhes enxugava os prantos.
Obrava milagres tantos,
Pela pureza e a fé
Pois acreditava até
Em fala de passarinho.
Mas sabem? Santo Agostinho
É pinto pra Canindé.


E mais não disse e nem lhe foi perguntado.