terça-feira, 23 de novembro de 2010

Cordel de Ismael Gaião


Um dos personagens mais populares dos cordéis da atualidade é o Seu Lunga, de Juazeiro do Norte, sempre com suas respostas afiadas para quem lhe faz pergunta besta. Encontrei esse cordel de Ismael Gaião em sua coluna COLCHA DE RETALHOS, do Jornal da Besta Fubana e trouxe para este Mundo Cordel:


SEU LUNGA, tolerância zero
Ismael Gaião

Eu vou falar de Seu Lunga
Um cabra muito sincero,
Que não tolera burrice
Nem gosta de lero-lero.
Tem sempre boas maneiras,
Mas se perguntam besteiras,
Sua tolerância é zero!

Ao entrar num restaurante
Logo depois de sentar,
Um garçom lhe perguntou:
O Senhor vai almoçar?
Lunga disse: não Senhor!
Chame o padre, por favor,
Vim aqui me confessar.


Lunga tava na parada
Com Renata perto dele.
Esse ônibus vai pra praia?
Ela perguntou a ele.
Ele, então, disse à mulher:
- Só se a Senhora tiver
Um biquini que dê nele!




Seu Lunga tava pescando
E alguém lhe perguntou:
- Você gosta de pescar?
Ele logo retrucou:
- Como você pode ver,
Eu vim pescar sem querer,
A polícia me obrigou.




Pagando contas no Banco
Lunga viveu um dilema
Pois com um talão nas mãos,
Ouviu de Pedro Jurema:
O Senhor vai usar cheque?
- Ele disse: não, moleque,
Vou escrever um poema.


Em sua sucataria
Alguém tava escolhendo,
- Por quanto o Senhor me dá,
Essa lata com remendo?
Lunga, sem pestanejar,
Disse: não posso lhe dar,
Porque eu estou vendendo.


E ainda muito irritado
A seu freguês respondeu:
Tudo que eu tenho aqui,
Eu vendo porque é meu.
Pois se o Senhor quiser ver,
Coisas sem ser pra vender,
Vá visitar um museu.


Lunga foi comprar sapato
Na loja de Barnabé
E um rapaz bem gentil
Perguntou: é pra seu pé?
Ele disse: não esqueça,
Bote na minha cabeça,
Vou usar como boné.


Lunga carregava leite
Numa garrafa tampada
E um velho lhe perguntou:
Bebe leite, camarada?
Ele disse: bebo não!
Depois derramou no chão.
- Eu vou lavar a calçada.


Seu Lunga tava deitado
Na cama, sem se mexer.
E um amigo idiota
Perguntou, a lhe bater:
- O senhor está dormindo?
Lunga disse: tô fingindo
E treinando pra morrer!


Seu Lunga foi a um banco
Com um cheque pra trocar
Um caixa muito imbecil
Achou de lhe perguntar:
O Senhor quer em dinheiro?
- Não quero não, companheiro,
Quero em bolas de bilhar.


Lunga olhou pro relógio
Na frente de Gabriela,
Quando menos esperava,
Ouviu a pergunta dela:
- Lunga viu que horas são?
Ele disse: não, vi não,
Olhei pra ver a novela!


Seu Lunga comprava esporas
Para correr argolinha
E o vendedor idiota
Fez essa perguntazinha:
- É pra usar no cavalo?
- É não, eu uso no galo,
Monto e dou uma voltinha.


Seu Lunga tava pescando
Quando chegou Viriato
- Perguntando: aqui dá peixe?
Lunga disse: isso é boato!
No rio só dá tatu,
Paca, cutia e teju,
Peixe dá dentro do mato.


Lunga foi se consultar
Com um Doutor que era Crente
Esse logo perguntou:
- O Senhor está doente?
- Lunga disse: não Senhor,
Vim convidar o Doutor,
Para tomar aguardente.


Seu Lunga, com seu cachorro,
Saiu para caminhar
E um besta lhe perguntou:
É seu cão, vai passear?
Lunga sofreu um abalo,
Disse: não, é um cavalo,
Vou levá-lo pra montar.


Lunga trazia da feira,
Já em ponto de tratar,
Uma cabeça de porco,
Quando ouviu alguém falar:
- Vai levando pra comer?
Ele só fez responder:
- Vou levando pra criar!


Lunga foi à eletrônica
Com um som pra consertar
Lá ouviu um idiota
Sem demora, perguntar:
- O seu som está quebrado?
- Tá não, está estressado.
Eu trouxe pra passear.


Seu Lunga foi numa loja
Lá perto de Itaqui
- Tem veneno pra rato?
- Temos o melhor daqui.
Vai levá-lo? Está barato.
- Vou não, vou buscar o rato
Para vim comer aqui!


Seu Lunga tava bebendo,
Quando escutou de Tião:
- Já que faltou energia,
Nós vamos fechar irmão!
Lunga falou: que desgraça!
Eu vim pra tomar cachaça,
Não foi tomar choque não!


Lunga tava em sua loja
Numa preguiça profunda
Quando escutou a pergunta
Vindo de Dona Raimunda:
- O Senhor tem meia-calça?
- Isso em você não realça,
Ou você, tem meia bunda?


Lunga saiu pra pescar,
Quando um amigo encontrou.
Depois de cumprimentá-lo
Seu amigo perguntou:
Lunga vai à pescaria?
Seu Lunga só disse: ia.
Pegou a vara e quebrou.


Jacó estava querendo
Apostar numa milhar
Vendo Lunga numa banca
Disse: agora vou jogar!
E foi gritando dali:
- Lunga, passa bicho aqui?
- Passa sim! Pode passar.


Seu Lunga sentia dor
Procurou Doutor Ramon
Que começou a consulta
Já perguntando em bom tom:
Seu Lunga, qual o seu plano?
Lunga disse: sem engano,
O meu plano é ficar bom!


Lunga tava em seu comércio
Despachando a Zé Lulu
Que depois de escolher
A fava e o feijão guandu.
- Disse: vou levar fubá.
E o arroz como está?
Seu Lunga disse: Tá cru!


Lunga com uma galinha
E a faca pra cortar,
Seu vizinho perguntou:
Oh! Seu Lunga, vai matar?
Com essa pergunta burra,
Disse: não, vou dar uma surra,
Logo depois vou soltar.


Lunga indo a um enterro
Encontrou Zeca Passivo
- Seu Lunga pra onde vai?
Ao enterro de Biu Ivo.
- E Seu Biu Ivo morreu?
- Não, isso é engano seu,
Vão enterrar ele vivo!


Lunga mostrou um relógio
Ao filho de Biu Romão
- Posso botar dentro d’água?
Perguntou o garotão.
Lunga disse sem demora:
- Relógio é pra ver a hora,
Não é sabonete, não!


Lunga fez uma viagem
Pra cidade de Belém
E quando voltou pra casa
Escutou essa de alguém:
- Oh! Seu Lunga, já chegou?
- Eu não, você se enganou,
Chego semana que vem!


Lunga levou uma queda
De cima de seu balcão
- Quer tomar um pouco d’água?
Perguntou o seu irmão.
Lunga logo, respondeu:
Foi só uma queda, meu!
Eu não comi doce não!


Na porta do elevador
Esperando ele chegar
Seu Lunga escutou um besta
Pro seu lado perguntar:
- Vai subir nesse momento?
- Não, que meu apartamento,
Vai descer pra me pegar.


Se encontrar com Seu Lunga
Converse, mas com cuidado,
Pois ele pode ser grosso,
Mesmo sendo educado.
Eu já fiz o meu papel,
Escrevendo este cordel
Pra você ficar ligado!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010


DIA DO CORDELISTA, DIA DE LEANDRO
(Esta postagem me foi enviada por Marco Haurélio, 
autor do blog CORDEL ATEMPORAL [marcohaurelio.blogspot.com])

19 de novembro de 1965. Nesse dia, veio ao mundo Leandro Gomes de Barros, o poeta mais lido da história do Brasil. No meu livro Breve História da Literatura de Cordel (Claridade), dediquei algumas páginas à vida e a obra do grande gênio da poesia popular brasileira:

“Para entendermos melhor o processo, precisamos retroceder às últimas décadas do século XIX, quando surgiu Leandro Gomes de Barros, nascido no sítio Melancia, então município de Pombal (PB), a 19 de novembro de 1865. Não é absurdo afirmar que este autor é o “pai da Literatura de Cordel brasileira”, já que explorou e deu forma a todos os gêneros e temas, preparando, assim, a estrada na qual os vates populares transitam ainda hoje.
Leandro migrou para a região do Teixeira, ainda na Paraíba, um dos berços da poesia popular do Nordeste. Aos 15 anos, mudou-se para as cidades pernambucanas de Vitória, Jaboatão e, finalmente, Recife, onde permaneceu até sua morte, ocorrida a 4 de março de 1918. Na capital pernambucana, ao lado dos confrades Francisco das Chagas Batista e Silvino Pirauá de Lima, Leandro ajudou a escrever algumas das mais belas páginas da história da cultura brasileira.

Com ele surgiu a figura do editor de Cordel que escrevia, publicava e distribuía a sua produção.

Nas raras horas de lazer que a lida da roça proporcionava, as pessoas se reuniam em torno de alguém que soubesse ler, e se deleitavam com os romances de Leandro: O cachorro dos mortosOs sofrimentos de AlziraJuvenal e o dragãoA força do amorPeleja de Manoel Riachão com o Diabo,História da donzela TeodoraO boi misterioso. Estas e muitas outras obras já ultrapassaram com folga a casa dos milhões de exemplares vendidos, e são reeditadas há mais de cem anos, interruptamente. Nenhum poeta brasileiro o superou em número de leitores. Paradoxalmente, seu nome é pouco conhecido. Isto, em parte, pode ser atribuído às contrafações do editor João Martins de Athayde, paraibano de Ingá do Bacamarte, personagem de destaque na história do Cordel.”
(...)

(Págs. 20-21)