quarta-feira, 14 de julho de 2010

Audifax (continuação)

"A fantástica e verdadeira história do Cão da Itaoca”
Audifax Rios
(Continuação)

XXII
Mandou fazer pras bandas do Juazeiro
Xilogravura por Mestre Abraão
Com as fantásticas imagens do cão
Pôs logo em prática seu plano matreiro
Que provocou aqui maior salseiro
Saiu manchete em letras garrafais
E chegou a vender todos os jornais
Com as proezas deste cão faceiro

XXIII
Com a notícia até hoje me comovo
Provocou alvoroço na Itaoca
A negrada pulava que nem pipoca
Vibrando com o mexerico novo
E se unindo pra expulsar o estorvo
Juntou homem, mulher, velho e menino
Cada qual indicando seu destino
Nunca mais houve paz entre este povo

XXIV
Antes porém do desfecho final
Houve muita e tanta estrepolia
Marmota acontecendo noite e dia
Itaoca de vida infernal
Parecia uma grande bacanal
Brutalidade e espancamento
Violência e defloramento
Itaoca - Sodoma colossal

XXV
Na verdade a história começou
Com um fato nunca visto igual
Fenômeno dito paranormal
E a mão à palmatória eu dou
Lá no quarto a cama rodopiou
Na cozinha os pratos revoavam
No tanque sabonetes espumavam
Escangalho chegou ali parou

XXVI
A orgia todo o ambiente abala
Entre as pedras saiam mil lagartos
E cobras tantas pelos vãos dos quartos
Os urubus voavam pela sala
Escorpiões livravam-se da mala
Morcegos pendurados numa rede
Ratos no poço matando a sede
O papagaio mudo perde a fala

XXVII
Pela chaminé do velho fogão
Em lugar de fumaça labaredas
Que era a mesma saída pelas bredas
Das narinas fedorentas do cão
Incandescentes com um tição
E o fogo propagado pelo céu
Sapecava tudo que era tetéu
Que caiam assados pelo chão

XXVIII
Lá no quintal a fossa estourou
Foi merda para tudo quanto é lado
O tinhoso ficou todo cagado
Não se fez de rogado e acalmou
e de todo o desastre aproveitou
Passou a voraz língua pelo beiço
A meleca escorria pelo queixo
Com prazer a catinga aspirou

XXIX
Quando a coisa ficava só em casa
Sem a vida dos outros perturbar
Nada havia para se preocupar
Porém quando a marmota criou asa
E toda a sua fúria extravasa
Itaoca virou um pandemônio
Parecia até um manicômio
Onde nada avança e tudo atraza

XXX
Então o malfeito que surgia
Todo roubo ou furto efetuado
Notícia de cabaço deflorado
Tinha logo exata autoria
Qualquer mazela que aparecia
Catapora, sarampo ou sezão
Era praga ia pra conta do cão
Toda sorte de mal ali cabia

XXXI
Foi preciso bolar uma arapuca
Pra pegar o tinhoso de surpresa
Mas quem era capaz de tal proeza?
Só o João Grilo teria grande cuca
Pra aviar esta idéia maluca
Pôs em prática plano genial
Pra pegar o tinhoso no local
E deixá-lo em tremenda sinuca

XXXII
Escavaram um poço bem profundo
Estenderam uma malha de corrente
Pra deste modo apanhar o ente
Na esquina do Beco do Segundo
Chega aquele monstro nauseabundo
Que pensando pisar numa folhagem
Fica atado pela engrenagem
E desaba da beira lá pro fundo

XXXIII
Chegou guindaste para resgatar
Pois julgaram o bicho bem pesado
Porém todos estavam enganados
A verdade não deu pra acreditar
Tava o povo pasmado a admirar
O corpinho enrolado em pano preto
E aí começou o desacerto
O diabo era o padre do lugar

XXXIV
O vigário virava lobisomem
E só tinha uma pessoa que sabia
Escondido na sua sacristia
Sacristão que não quis dizer o nome
Pois o medo do inferno lhe consome
Garante que era em noite de luar
Numa sexta qualquer na hora-agá
A virada em bicho o que era homem

XXXVI
E a mulher que era tida como santa
Na alcova fazia qualquer negócio
Na igreja, cristã, devota e fiel
Mas na cama a virtude desencanta
Tão sacana que até o cão se espanta
Satisfaz sua fúria sensual
No comum, felação e coito anal
Com mil gritos saindo da garganta

XXXVII
Tava ali o padre paramentado
A imagem do cão desmascarada
E quem acreditou na fé sagrada
Excomunga agora o desgraçado
Que enganou todo tempo o povoado
E em nome de Cristo abençoava
E por trás o perjúrio praticava
Confundindo a virtude com o pecado

XXXVIII
E assim como se deu com Jesus
O padre também foi crudificado
E depois pelo povo fuzilado
Padeceu e morreu em negra cruz
Em lugar da coroa um capuz
Lhe serviu de sepulcro um formigueiro
Sem uma placa, sem nenhum letreiro
Sem uma vela, sem alguma luz

XXXIX
Pouca gente acompanhava o caixão
Em que foi transportado o satanás
Quatro gatos pingados nada mais
La na cova se ouviu pouca oração
O Zé Mário fez a declamação
Necrológio em forma de poesia
Relatando a dor e agonia
Que o povo sofreu na mão do cão

XL
Caminhando pra última morada
Cada amigo com dor no coração
Mário Gomes, Gervásio, Saraivão,
Mapurunga e o resto da cambada
E seguindo o cortejo na rabada
O Furtado, o Queiroz e o Marco Abreu
Lamentando o que aconteceu
Constatando que a vida não é nada

XLI
A moçada em estado deplorável
Rastejava em lenta procissão
Compungida como um bom cristão
O Alberto ainda inconsolável
Com a sua derrota lamentável
Luciano Barreira em oração
e o Klévisson com sua pena à mão
Faz da cena comédia impagável

XLII
Nesta hora toda a terra escureceu
E saíram urubus do formigueiro
De onde exalava forte cheiro
Todo galho de planta emurcheceu
A boiada assustada escafedeu
O relógio parou de trabalhar
A coruja no céu pôs-se a piar
Pra dizer que o demônio faleceu

XLIII
Itaoca então ficou famosa
Como a terra do espírito do mal
Deu no rádio, tv e no jornal
Sua fama saiu em verso e prosa
Puxando da poesia cavernosa
Zé Biquara escreveu longo cordel
Onde conta as proezas do revel
Cantilena picante e dolorosa

XLIV
O cão da Itaoca vai ficar
Na galeria das grandes figuras
Que outrora eram vidas obscuras
Cabeludo, Pena Branca e ZéTatá
Burra Preta, Negrinho do mar
Chupa-Cabra, Corta-Bunda, Tobogã
Bode-Ioiô, Tarado da Aquidabã
Entidades da crendice popular

XLV
E aqui terminando nossa história
Do diacho e sua aparição
Que causou verdadeira confusão
E que teve os seus dias de glória
Até quando decretou a moratória
Na tarde em que se escafedeu
A Itaoca toda agradeceu
Fim do caso que não sai da memória

Agora está tudo terminado
Uma coisa a gente não esquece
Desta pecha que o povo não merece
Itaoca do cão endiabrado
Felizmente esta noite foi embora
Acabou a companhia do de-espora
Xeretando nossa vida no passado

Refugamos essa presença maldita
Itaoca do cão e do tisnado
Oramos com fervor prece bendita
Soterramos o capeta excomungado

Um comentário:

  1. Fantásticas as oitavas de Audifax, PARABÉNS! por mais esta bela história da cultura popular, que atravessa gerações. Está nas mãos de nossos poetas preservá-las, difundí-las e estimular novos autores. Obrigada por mais esta... abraços, Rosário Pinto

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