terça-feira, 8 de junho de 2010

Cordel de Guaipuan Vieira


Esse eu fui buscar lá na coluna "Repentes, motes e glosas", de Pedro Fernando Malta, no Jornal da Besta Fubana. Eu já conhecia há muito tempo a "Chegada de Lampião no Inferno", mas a chegada do cangaceiro no céu foi para mim uma novidade.

A chegada de Lampião no Céu
Guaipuan Vieira
Foi numa Semana Santa
Tava o céu em oração
São Pedro estava na porta
Refazendo anotação
Daqueles santos faltosos
Quando chegou Lampião.


Pedro pulou da cadeira
Do susto que recebeu
Puxou as cordas do sino
Bem forte nele bateu
Uma legião de santos
Ao seu lado apareceu.


São Jorge chegou na frente
Com sua lança afiada
Lampião baixou os óculos
Vendo aquilo deu risada
Pedro disse: Jorge expulse
Ele da santa morada..


E tocou Jorge a corneta
Chamando sua guarnição
Numa corrente de força
Cada santo em oração
Pra que o santo Pai Celeste
Não ouvisse a confusão.


O pelotão apressado
Ligeiro marcou presença
Pedro disse a Lampião:
Eu lhe peço com licença
Saia já da porta santa
Ou haverá desavença.


Lampião lhe respondeu:
Mas que santo é o senhor?
Não aprendeu com Jesus
Excluir ódio e rancor?…
Trago paz nesta missão
Não precisa ter temor.


Disse Pedro isso é blasfêmia
É bastante astucioso
Pistoleiro e cangaceiro
Esse povo é impiedoso
Não ganharão o perdão
Do santo Pai Poderoso


Inda mais tem sua má fama
Vez por outra comentada
Quando há um julgamento
Duma alma tão penada
Porque fora violenta
Em sua vida é baseada.


- Sei que sou um pecador
O meu erro reconheço
Mas eu vivo injustiçado
Um julgamento eu mereço
Pra sanar as injustiças
Que só me causam tropeço.


Mas isso não faz sentido
Falou São Pedro irritado
Por uma tribuna livre
Você aqui foi julgado
E o nosso Onipotente
Deu seu caso encerrado.


- Como fazem julgamento
Sem o réu estar presente?
Sem ouvir sua defesa?
Isso é muito deprimente
Você Pedro está mentindo
Disso nunca esteve ausente.


Sobre o batente da porta
Pedro bateu seu cajado
De raiva deu um suspiro
E falou muito exaltado:
Te excomungo Virgulino
Cangaceiro endiabrado.


Houve um grande rebuliço
Naquele exato momento
São Jorge e seus guerreiros
Cada qual mais violento
Gritaram pega o jagunço
Ele aqui não tem talento.


Lampião vendo o afronto
Naquela santa morada
Disse: Deus não está sabendo
Do que há na santarada
Bateu mão no velho rifle
Deu pra cima uma rajada.


O pipocado de bala
Vomitado pelo cano
Clareou toda a fachada
Do reino do Soberano
A guarnição assombrada
Fez Pedro mudar de plano.


Em um quarto bem acústico
Nosso Senhor repousava
O silêncio era profundo
Que nada estranho notava
Sem dúvida o Pai Celeste
Um cansaço demonstrava.


Pedro já desesperado
Ligeiro chamou São João
Lhe disse sobressaltado:
Vá chamar Cícero Romão
Pra acalmar seu afilhado
Que só causa confusão.


Resmungando bem baixinho
Pra raiva poder conter
Falou para Santo Antônio:
Não posso compreender
Este padre não é santo
O que aqui veio fazer?!


Disse Antônio: fale baixo
De José é convidado
Ele aqui ganhou adeptos
Por ser um padre adorado
No Nordeste brasileiro
Onde é “santificado”.


Padre Cícero experiente
Recolheu-se ao aposento
Fingindo não saber nada
Um plano traçava atento
Pra salvar seu afilhado
Daquele acontecimento.


Logo João bateu na porta
Lhe transmitindo o recado
Cícero disse: vá na frente
Fique despreocupado
Diga a Pedro que se acalme
Isso já será sanado.


Alguns minutos o padre
Com uma Bíblia na mão
Ao ver Pedro lhe indagou:
O que há para aflição?
Quem lá fora tenta entrar
E também um ser cristão.


São Pedro disse: absurdo
Que terminou de falar
Mas Cícero foi taxativo:
Vim a confusão sanar
Só escute o réu primeiro
Antes de você julgar.


Não precisa ele entrar
Nesta sagrada mansão
O receba na guarita
Onde fica a guarnição
Com certeza há muitos anos
Nos busca aproximação.


Vou abrir esta exceção
Falou Pedro insatisfeito
O nosso reino sagrado
Merece muito respeito
Virou-se para São Paulo:
Vá buscar este sujeito.


Lampião tirou o chapéu
Descalço também ficou
Avistando o seu padrinho
Aos seus pés se ajoelhou
O encontro foi marcante
De emoção Pedro chorou.


Ao ver Pedro transformado
Levantou-se e foi dizendo:
Sou um homem injustiçado
E por isso estou sofrendo
Circula em torno de mim
Só mesmo o lado ruim
Como herói não estão me vendo.


Sou o Capitão Virgulino
Guerrilheiro do sertão
Defendi o nordestino
Da mais terrível aflição
Por culpa duma polícia
Que promovia malícia
Extorquindo o cidadão.


Por um cruel fazendeiro
Foi meu pai assassinado
Tomaram dele o dinheiro
De duro serviço honrado
Ao vingar a sua morte
O destino em má sorte
Da “lei” me fez um soldado.


Mas o que devo a visita
Pedro fez indagação
Lampião sem bater vista:
Vê padim Ciço Romão
Pra antes do ano novo
Mandar chuva pro meu povo
Você só manda trovão.


Pedro disse: é malcriado
Nem o diabo lhe aceitou
Saia já seu excomungado
Sua hora já esgotou
Volte lá pro seu Nordeste
Que só o cabra da peste
Com você se acostumou.

13 comentários:

  1. S E N S A C I O N A L!!! Muito bom mesmo Marcão!!

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  2. Cara, isso beira o divino
    falar de capitão o Virgulino
    assim dessa maneira
    Queria saber fazer cordel
    aí tambpem escreveria
    toda hora todo dia
    minha vida e a terra inteira
    até o dia de ir para o céu

    É... eu tento mas não consigo, talvez por isso essa forma tão intrigante de escrever, de se cantar me prenda, me faça a cabeça. Uma coisa assim deveria ser mais valorizada, esse país tem de um lado ótimos artistas populares, mas infelizmente de outro os que detêm os sistemas de comunição e só vizam o que vem de fora, e por isso uma boa parte da nossa população seja tão alienada. Infelizmente é assim.

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  3. Rafael, muito bom receber você novamente por aqui. Venha sempre. Mesmo quando não deixo comentários, sempre dou passada no "Desce mais uma!".

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  4. Dragon,
    muito pertinente seu comentário. Ainda bem que ainda muita gente com essa consciência.

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  5. Parabéns,muito bem escrito.

    Qual a data do falecimento do poeta Hermes Vieira?

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  6. best of the best...

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  7. muito bom.Otimo
    Muito bem escrito!!!

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  8. Vou te falar meu caro
    Uma coisa vou te dizer
    Voce escreve muito bem
    Sera que pode me dizer
    Como faz uma coisa tão legal
    Que da gosto alegria e prazer
    de ler.

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  9. Guaipuan, boa noite!
    Estou necessitando manter contato com você por e-mail
    José Itamar Abreu costa -cardiologista
    meu e-mail;jitamaracosta@hotmail.com

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  10. A LINGUAGEM DO CORDEL
    É MESMO ESPETACULAR
    EU MORO EM MOSSORÓ
    ONDE O CORDEL FAZ REINAR
    POIS AQUI NESSA CIDADE
    TEM UMA UM POETA EXEMPLAR

    POR ISSO VENHO FALAR
    COM GRANDE SATISFAÇÃO
    SOU AMANTE DESSA ARTE
    E FALO COM EMOÇÃO
    PARABENS AO MAIRTON
    PELA SUA NARRAÇÃO

    PORQUE ESSA INSPIRAÇÃO
    TRANSMITIDA NO CORDEL
    É UM TALENTO DIVINO
    QUE SÓ PODE VIR DO CÉU
    O POETA NORDESTINO
    CADA UM É MENESTREL

    LAÉCIO FERNANDES DE MEDEIROS, MOSSORÓ, 24/03/2015.


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