segunda-feira, 16 de março de 2009

Lançamento de livro


MINHA MALA ERA UM POTE

Está marcado para a próxima quarta-feira, 18 de março, o lançamento do primeiro livro de Mansueto Silva, meu pai. É um novo escritor, aos setenta anos. Essa é uma das muitas vitórias de um homem que começou a vida em condições extremamente adversas e superou a todas.
Parabéns, Mansueto!
Segue trecho do livro:

Finalmente, chegou o momento da partida. Entregamos nosso gato e nosso cachorro a um vizinho e partimos em meio àquela escuridão com destino a Sobral. Meus pais, abraçados, pediram a Deus que tomasse conta daqueles inocentes que partiam com eles na jornada.
Havia duas lamparinas acesas. Minha mãe seguia na frente com uma, clareando o caminho, que era muito estreito e acidentado, enquanto a minha irmã mais velha vinha atrás de todo o comboio, com a outra, junto com meu pai. O resto da meninada seguia ao lado de minha mãe, aproveitando a luz da lamparina.
À medida que nos afastamos do povoado, uma jumenta que estava de cria nova começou a ficar inquieta. Mais adiante, não suportou a saudade do filhote e correu com a carga, que acabou caindo dentro de um buraco. Felizmente ela levava apenas roupas velhas, dentro de malas de couro, e o prejuízo foi pequeno.
Passado o susto, continuamos a viagem até chegarmos a um lugar conhecido como “Cabeça do Descansador”, de onde dava para ver a cidade de Sobral, embora esta fique a mais de quinze quilômetros dali. Os viajantes costumavam parar ali para descansar, o que deu origem ao seu nome. Nós também paramos, com a mesma finalidade, pois já havíamos andado cerca de quatro quilômetros, o que não é pouco naquelas condições, principalmente para as crianças.
Enquanto meus pais verificavam o estado das cargas e das crianças, eu olhei para o clarão das lâmpadas acesas na cidade distante e perguntei a meu pai o que era aquela coisa tão clara.
– Aquele clarão é Sobral, meu filho. A cidade onde vamos morar.
Naquele momento meu coração bateu mais forte e eu não tirei mais os olhos daquele lugar.

***

Meu pai já havia feito o ajuste nas cargas dos animais para descermos a serra. Eram seis quilômetros de descida, então os arreios dos animais precisavam estar bem apertados, para que os animais não caíssem com a carga.
Tomamos, então, o caminho da descida, que começava com dois quilômetros de estrada de chão muito molhada e escorregadia. Era preciso muito cuidado para não cair. Depois chegamos a uma estrada grande, feita de um calçamento muito ruim. Esse trecho tinha seis quilômetros.
Quando estávamos no meio da descida, o céu cobriu-se totalmente de nuvens escuras e, minutos depois, caiu um temporal como eu nunca tinha visto. As lamparinas apagaram-se e a chuva castigou sem dó nem piedade. Era um momento crítico. Tudo o que tínhamos estava ali, naquela pobre mudança, e estava sendo destruído pela chuva.
Mesmo assim, continuamos descendo a serra. De vez em quando a estrada era iluminada pelo clarão dos relâmpagos. O barulho dos trovões ecoando pela serra era assustador. Com toda aquela chuva, e seguindo na escuridão, tropecei e levei um grande tombo. Percebi que estava sangrando e comecei a chorar. Na queda eu havia cortado o ombro. Meus pais prestavam-me socorro como podiam, mas eu já estava bem ensangüentado.
Apesar de todas as dificuldades, seguíamos adiante. A chuva não parava, caindo impiedosamente sobre aquela família humilde, como se testasse a sua capacidade de continuar a sua busca por uma vida melhor. Prosseguindo até chegar ao pé da serra, continuamos a caminhada pelo sertão, e a chuva ficou ainda mais forte. Eu e meus irmãos tremíamos de frio, mas, àquela altura dos acontecimentos, já não tínhamos outra coisa a fazer a não ser continuar andando até chegar à cidade.
Às cinco horas da manhã ainda faltavam seis quilômetros para chegar a Sobral. Aqueles últimos seis quilômetros pareciam não acabar mais. Já estávamos muito cansados do trajeto tão acidentado e cheio de dificuldades.
Eram seis e meia da manhã quando chegamos na cidade, terminando uma das viagens mais complicadas dentre as muitas que eu ainda faria no decorrer da minha vida. Paramos em frente à pequena casa na Rua do Junco e ficamos olhando para a casa que meu pai havia alugado. Mesmo com toda a dureza da viagem, eu tinha uma sensação de vida nova e percebia que o dia acabava de nascer e nós acabávamos de chegar, como se, de alguma forma, tudo estivesse programado para ser assim.
Encostamos os animais em frente à casa e começamos a tirar sua carga. Enquanto meu pai cuidava desse trabalho, minha mãe foi à casa da vizinha e pegou a chave muito enferrujada que nos possibilitaria a entrar em nossa nova morada. Ela abriu a porta e todos nós entramos, fazendo um enorme barulho, rindo, pulando e até chorando. Nem acreditávamos no que estava acontecendo. Apesar de ainda ser muito cedo, alguns vizinhos já haviam acordado e puderam ver a nossa chegada. Logo nossas coisas estavam dentro de casa, e eu e meus irmãos estávamos gritando de alegria:
– Chegamos! Chegamos! Chegamos!
Foi assim a primeira viagem da minha vida, aos seis anos de idade.

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