quinta-feira, 24 de julho de 2008

A Resistência de Sabato



PROSA DA QUARTA

Convenci-me de que cabe mais que poesia popular neste Mundo Cordel. As crônicas de Clauder Arcanjo, por exemplo, as quais sempre recebo por e-mail, sob o título de Prosa da Quarta. Toda vez que leio tenho vontade de replicar aqui. Então decidi fazê-lo. Afinal, um Mundo Cordel é um mundo aberto à cultura, em suas várias expressões, não podendo se restringir à poesia popular. Seja bem vindo, Clauder!

A RESISTÊNCIA DE SABATO
Clauder Arcanjo
Deparei-me, dias atrás, com mais um livro do argentino Ernesto Sabato: A resistência.
Em forma de cartas aos jovens leitores, o autor de O túnel realiza umbalanço pessoal de nossos dias. Com uma espécie de “coragem que nos situa na verdadeira dimensão do homem”, no entanto há nele “uma coisa que não falha, e é a convicção de que — unicamente — os valores do espírito podemnos resgatar deste terremoto que ameaça a condição humana”.
Preocupado com o relacionamento virtual que grassa na sociedade contemporânea, Ernesto declara que “à medida que nos relacionamos de formamais abstrata, vamos nos afastando do coração das coisas, e uma indiferença metafísica se apossa de nós, enquanto entidades sem sangue nem nome tomam o poder. Tragicamente, o homem está perdendo o diálogo com osdemais e o reconhecimento do mundo que o rodeia, quando é nele que se dá o encontro, a possibilidade do amor, os gestos supremos da vida”.
A televisão é objeto de análise de Sabato, preocupado pela tendência da humanidade, “por falta de coisa melhor”, em ficar anestesiada, horas afio, frente a essa tela que nos “predispõe à abulia”. “Ficar monotonamentesentado diante da televisão anestesia a sensibilidade, torna a mente lerda, prejudica a alma”; assevera o romancista de Sobre heróis e tumbas.
Contudo, Sabato não sucumbe ao pessimismo e à paralisia, acredita piamente em que “há um jeito de contribuir para a proteção da humanidade, e é não se conformar. Não assistir com indiferença ao desaparecimento da infinita riqueza que forma o universo que nos rodeia, com suas cores, sons e perfumes”. Ao longo da obra, sinais evidentes de que, na visão do pensador argentino, “não há outro modo de atingir a eternidade a não sera profundando-se no instante, nem outra forma de chegar à universalidade que não através da própria circunstância: o aqui e agora”. Como? “Revalorizando o pequeno lugar e o breve tempo em que vivemos, que nada têm a ver com as maravilhosas paisagens que podemos ver na televisão, mas que estão sagradamente impregnados da humanidade das pessoas que neles vivem.”
De quando em vez, volta as suas baterias contra o risco da competitividade desumana. “Se nos tornarmos incapazes de criar um clima de beleza no pequeno mundo ao nosso redor e só atentarmos às razões do trabalho, muitas vezes desumanizado e competitivo, como podemos resistir?”; inquire-nos.
Ler Sabato é um prazer singular. Arguto e inteligente, discorre sobre diversos temas como um virtuose, hábil no manejo das palavras e das idéias. Nada de opiniões áridas e mal formuladas, mas sim uma coletânea meditativa de bela tessitura poética, “solidamente ancorada na tradição humanística e no estudo crítico da história”.
Nascido em 1911 em Rojas, na província de Buenos Aires, Ernesto Sabato doutorou-se em física, trabalhou em pesquisas em Paris, antes de se dedicar ao mundo das letras e da pintura. Militante ativo pelos direitos humanos na Argentina e no mundo, foi o principal responsável pelo relatório acerca da tortura no regime ditatorial argentino, transformado no livro Nunca mais.
Ao se aproximar dos cem anos, “permanentemente inquieto e inconformado”, Ernesto Sabato concebe mais um livro, desta feita destinado a fomentar a existência de “outros seres tão perplexos como ele diante da desumanização do homem em nosso tempo”. “O homem se expressa para chegar aos outros, para sair do cativeiro de sua solidão. Sua natureza de peregrino é tal que nada preenche seu desejo de expressão”; observa.
Vou lendo e colhendo ensinamentos de um homem que “parece resistir a esse trágico processo preservando a eternidade da alma na humildade de uma prece”. Na forma de uma conversa muito pessoal, como bem caracteriza as ‘cartas’ de Sabato. “Com a idade que tenho hoje, posso dizer, dolorosamente, que toda vez que perdemos um encontro humano uma coisa se atrofiou em nós, ou se quebrou.” — afirma.
“Temos de reaprender o que é satisfação. Estamos tão desorientados, que achamos que satisfazer-se é ir às compras. Um luxo verdadeiro é um encontro humano, um momento de silêncio diante da criação, fruir de uma obra de arte ou de um trabalho bem-feito.” — revela-nos o mestre de Antes do fim.
As armas que se nos apresenta para essa batalha diuturna contra a mediocridade a que nos querem condenar: “a dignidade, o desinteresse, a grandeza diante da adversidade, as alegrias simples, a coragem física e a integridade moral”. Para que a vitória se dê, há de se consumar entre nós, como “ápice do comportamento humano”, o exercício da solidariedade, pois “quando a vida é sentida como um caos, quando já não há um Pai que nos faça sentir irmãos, o sacrifício é despojado do fogo que o alimenta”.
Páginas à frente, a defesa inconteste dos mitos. “Assim como uma casa cujos alicerces se desmancham, as sociedades começam a desmoronar quando seus mitos perdem a riqueza e o valor.” Ao tempo em que professa: “Defronte a questões inefáveis, é infrutífero tentar aproximar-se pormeios de definições. A incapacidade dos discursos filosóficos, teológicos ou matemáticos para responder a essas grandes interrogações revela que a condição última do homem é transcendente e, por isso, misteriosa, inapreensível.”
Testemunhos de um resistente homem de letras, ferrenho defensor da liberdade e do papel transcendente e redentor da arte. “A arte foi o porto definitivo onde preenchi meus anseios de navio sedento e à deriva.”
Se são cartas ingênuas? Não sei, mas o próprio Sabato, penso, dá-nos a melhor resposta quando anuncia: “Os grandes artistas são pessoas estranhas que conseguiram preservar no fundo da alma essa ingenuidade sagrada da infância e dos homens que chamamos primitivos, e por isso provocam o risodos imbecis.”
Realmente, “o mundo nada pode contra um homem que canta na miséria”.
Texto publicado no jornal Gazeta do Oeste (Mossoró-RN), caderno Expressão, espaço Questão de Prosa, edição de 20 de julho de 2008.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Cordel depois da missa (Felipe Júnior)


QUANDO OS POETAS VÊM AO MUNDO CORDEL
Já escrevi aqui que uma das coisas que mais me alegra e anima a continuar editando Mundo Cordel é receber de meus amigos CDs, livros, folhetos e outras mídias usadas para a divulgação da Literatura de Cordel e a Poesia Popular. É muito bom saber das pessoas encontrando essa arte pelo mundo e lembrando que este é um ponto de convergência dela.
Mas, tem outra coisa que me alegra tanto quanto essa. É quando poetas enviam obras suas para enriquecer este espaço, este Mundo Cordel. Mundim do Vale sempre faz isso. Anizão e Carlos Silva também já estiveram por aqui, dentre outros.
Hoje, é a vez de Felipe Júnior, poeta cordelista e declamador vindo do Berço Imortal da Poesia, São josé do Egito-PE. Formado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, reside em Recife-PE, é, atualmente, coordenador da União dos Cordelistas de Pernambuco - UNICORDEL e membro da União Brasileira dos Escritores - UBE/PE.
Quem quiser saber mais sobre o trabalho do poeta, é só visitar o seu blog:
di-versificando.blogspot.com.
Um grande abraço, Felipe! E muito obrigado pela colaboração!
Segue a poesia:

FIM DE MISSA
Poeta Felipe Júnior
(Do livro “Relicário” e CD “Na boléia da rima e do Riso”)

Fica no templo somente
O sacristão zelador
Endireitando o andor
Pra usá-lo novamente;
Fica um cego no batente
Tocando uma concertina,
Se uma moeda retina
Ele diz: Deus abençoe!
Mesmo sem saber quem foi
Depois que missa termina.

Uns dois ou três batizados;
As portas entre abertas;
Duas meninas espertas
Arrumando seus trocados.
O padre faz simulados
E com o sacristão combina,
Pra mostrar como se ensina
Pedir trocado em Igreja,
E o padre rindo, festeja
Depois que a missa termina.

O zelador atrasado
Limpa a Igreja ligeiro,
Deposita no lixeiro
Papel, chiclete mascado, ...
Depois põe tudo ensacado
Todo o lixo da faxina
Põe o saco na esquina
Pro carro depois levar
E só volta a arrumar
Depois que a missa termina.

Menino na escadaria
Sacristão correndo atrás;
Um candeeiro de gás
Que bem pouco alumia.
Com a Igreja vazia
O padre tira a batina.
Chega uma irmã vicentina
Querendo se confessar,
Vendo a porta se fechar
Depois que a missa termina.

A noite chega de vez
E envolve com sua sombra;
Um pinto novo se assombra
Com uma galinha pedrês;
Um casal de camponês;
Um cheiro se dissemina,
É a ceia nordestina
Saborosa com certeza,
Porém só é posta a mesa
Depois que a missa termina.

A dupla de cantadores
Canta num pé-de-parede;
Um velho arma uma rede,
Reclama de suas dores;
Um grupo de rezadores
Uma novena combina;
Alguém discerra a cortina
Da porta da sacristia,
Fica a igreja vazia
Depois que a missa termina.

O grupo de jovem sai
E casais em saudação;
O padre leva sermão
De um amigo do seu pai;
Uma velhinha que vai
Fazer sua reza divina,
Com o rosto e a pele fina
Quase revelando o osso,
Mas tira a nota do bolso
Depois que a missa termina.

O padre leva o dinheiro
Pra casa paroquial
E um coroinha mal
Pega uma moeda ligeiro.
Vai correndo pro oiteiro
Em direção da cantina
Compra rapadura fina
Pra comer com pão bem cedo,
E tudo fica em segredo
Depois que a missa termina.

Um homem bem elegante
Faz a sua doação,
O padre dá gratidão
Pelo seu gesto operante.
E ele todo falante
A uma pobre se destina,
Era a dona Severina
Que passou de sua hora
E bota a pobre pra fora
Depois que a missa termina.

E reina um silêncio orante
Na velha Igreja barroca;
Na porta uma velha moca
Quer confessar neste instante;
Alguém no auto-falante
Faz a prece vespertina;
Na calçada uma menina
Risca com caco de telha;
O sol apaga a centelha
Depois que a missa termina.

Um casal de namorados
Felizes e sorridentes,
Namorando nos batentes
Conversam de braços dados.
Dois homens embriagados
Falam alto na esquina;
Cai uma rala neblina
De uma nuvem passageira
Para apagar a poeira
Depois que a missa termina.

O sino não faz abalo
Como uma prece propondo
E um casal de maribondo
Pousa em cima do badalo;
O travão dá um estalo
Que estremece a campina;
Por trás da verde colina
O sol esconde seu rosto
E a lua assume seu posto
Depois que a missa termina.

O padre na sacristia
Recolhe seus paramentos;
No oitão quatro jumentos
Que servem de montaria;
Reza uma Ave-Maria
Uma velha bem franzina,
Depois de rezar se inclina
Fazendo o sinal da cruz
Beija o santo e apaga a luz
Depois que a missa termina.

Os morcegos esvoaçam
Fazendo belas manobras;
Entre as linhas duas cobras
No cio se entrelaçam;
Duas lagartixas passam
Por cima da ripa fina;
Debaixo da sarafina
Sai uma “briba” cinzenta,
Pois ela só se apresenta
Depois que a missa termina.

Num canto do santuário
Um presépio de natal;
Duas velhas falam mal
Da pregação do vigário.
Outra recita o rosário
Que aprendeu quando menina.
O sacristão diz: Firmina,
Deixe pra rezar depois!
Ficam discutindo os dois
Depois que a missa termina.

O padre soma a quantia
Da coleta do domingo;
Aquele velho mendigo
Recolhe sua bacia.
Um silêncio contagia
A cidade pequenina,
Reina uma paz divina
E uma santa solidão.
Isso se vê no sertão
Depois que a missa termina.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Cordel e Sertão (Mundim do Vale)

O SERTÃO CANTADO EM CORDEL
Novamente MundoCordel conta com a generosidade do poeta Mundim do Vale, que nos enviou a poesia:
O SERTÃO QUE GENTE MORA
Mundim do Vale

Eu nasci lá no sertão
Onde enterrei meu umbigo
Não deixei lá inimigo
Porque sou bom cidadão.
Considerei cada irmão
E não desejei piora
Porque prefiro a melhora
Daquele que tá doente.
Gostei de todo vivente
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Eu tive que me afastar
Para um lugar diferente
Mas guardo como um presente
As coisas do meu lugar.
O dia para voltar
Não sei se é logo agora
Ou se ainda demora
Porque Deus é quem me guia.
Mas me lembro todo dia
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Na T.V. Educativa
O vate Dílson Pinheiro
Valoriza o violeiro
E a rima do Patativa.
A produção criativa
Não joga cultura fora
Tanto que busca melhora
Pesquisando pelo mato.
Depois exibe o retrato
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

O bom Carneiro Portela
Da cultura é resistente
Fala de seca e enchente,
De porteira e de cancela.
Fala de pua e sovela,
De sarampo e catapora,
De sertanejo indo embora,
De lapinha e santuário.
E faz todo o seu cenário
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Geraldo Amâncio Pereira
Promotor de festival
É um ícone cultural
Da poesia brejeira.
Repentista de primeira
Defensor de fauna e flora
Hoje em dia comemora
Seu sucesso no estrangeiro.
Mas Geraldo é um herdeiro
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Foi do sertão que surgiu
O poeta Zé Maria
Que vem trazendo alegria
Para o resto do Brasil.
Foi ele que conduziu
Por este mundão a fora
Um grupo que hoje explora
A cultura cristalina.
É a Batuta Nordestina
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Literatura de Cordel em Berlim




MOSTRA DE CORDEL NO POESIEFESTIVAL BERLIN 2008


Neste sábado, cinco de julho de 2008, começará o Poesiefestival Berlin 2008. O festival continuará até o dia 13 de julho, e homenageia os poetas de língua portuguesa.
A Literatura de Cordel estará lá. Consta que haverá uma mostra sobre Literatura de Cordel no foyer da Academia de Artes, sob a curadoria do poeta Timo Berger.
Há uns três meses, enviei para Timo Berger, atendendo seu pedido, alguns exemplares de livros e cordéis meus e de meu amigo Rouxinol do Rinaré. Não posso deixar de agradecer aqui ao amigo Arievaldo Viana, que me proporcionou o contato com Timo Berger.
Maiores informações sobre o festival podem ser encontradas em www.literaturwerkstatt.org, ou clicando na figura acima.