quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Cordel e comunicação (Marcos Mairton e Paulo Benz)



FAZENDO POESIA COM O AMIGO PAULO BENZ

A Rádio Mundo Cordel traz hoje, ao som do violão de Nonato Luiz, com a música "Rio Reno", uma poesia inspirada em e-mails que troquei com o poeta Paulo Benz.
Na verdade, parte da poesia é dele, pois aconteceu em um dia no qual conversávamos em versos.


A “Quinta de Poesia” à qual a poema se refere é mera ficção, mas que importância tem isso? O que importa um fato ter ou não acontecido, um lugar existir ou não, se no mundo dos poetas a realidade e a fantasia se misturam, e eles nunca sabem direito distinguir uma coisa da outra.


E quem sabe distinguir a realidade da fantasia?

CONVERSA DE POETA
(ou e-mails trocados entre dois poetas, combinando uma reunião)
Autor: Marcos Mairton, com participação muito especial de Paulo Benz

– Ó poeta, meu amigo,
Escrevo pra lhe avisar
Que a “Quinta de Poesia”
Que costumo organizar,
E ocorre toda vez,
Sempre e sempre, a cada mês,
Na primeira quinta-feira,
Vai cair em outro dia.
Porque senão ficaria
Pra mim, muito complicado.
Mas na terça dará certo.
Vá de coração aberto
E com o verso preparado.

– Olha, que interessante,
A quinta na terça-feira.
É possível que alguém queira,
Ter uma idéia brilhante,
Pra, de agora em diante,
A segunda ser na sexta.
E eu, que não sou nem besta,
Atraso o domingo um dia,
O sábado ficaria
Com quarenta e oito horas
Pra contemplar fauna e floras
Fazer amor e poesia.

– Fazer amor e poesia,
Era isso que eu queria.
Pegava, no calendário,
Só a folha do domingo,
Tirava cópias a esmo,
Sem da tinta perder pingo,
Renumerava o mês todo
Só com folhas desse dia.
E ficava olhando o povo
Na sua vã correria,
Enquanto eu, descansado,
Repetiria meus versos,
Só pra conversar fiado,
Na praia, c’os pés imersos.

– Na praia, c’os pés imersos
Na água fria do mar
Sentado numa cadeira
Dessas de se balançar,
Lendo “O direito à preguiça”,
Onde Paul diz, com justiça,
Que ela é mãe das invenções.
Por isso, as intenções,
Que tenho agora em meu ser
São de achar um paraíso
Onde não será preciso
Trabalhar nem escrever.

– Trabalhar nem escrever?
Não é um pouco demais?
Como poderás ter paz,
Suspendendo teus escritos?
Os teus amigos, aflitos,
Irão à tua presença,
Talvez, sem pedir licença,
Adentrarão em teu lar
Chegarão a implorar
Que voltes a escrever
E tu, já posso prever,
Começarás a chorar!

– Já comecei a chorar,
Só de ler tua poesia.
Eu não imaginaria
Resposta dessa maneira.
Era só uma brincadeira
O que há pouco eu escrevia.
Parar de fazer poesia
Não depende de eu querer
Me desculpe por dizer
Que pensei nisso algum dia.

Poesia de Marcos Ferreira


A HORA AZUL DO SILÊNCIO

Recebi ontem convite para o lançamento do livro A HORA AZUL DO SILÊNCIO, do poeta Mossoroense MARCOS FERREIRA. A obra foi premiada na primeira edição nacional dos ‘Prêmios Literários Cidade de Manaus’, categoria Melhor Livro de Poesia – 2006.

Eu já peguei meu exemplar ontem mesmo, e dei uma boa lida antes de dormir. Com a permissão do poeta, transcrevo

O MENDIGO

Esse que você vê tão sem destino
feito carta jogada de um baralho
já foi muito benquisto e muito fino,
apesar dessa forma de espantalho.

Esse velho cansado peregrino
também teve seu lar e seu trabalho.
Não viveu toda a vida em desatino,
como triste e perdido rebotalho.

Pois quem diz há mais tempo conhecê-lo,
me garante que tanto desmantelo
tem alguma mulher por responsável...

Sendo assim, nós o vemos todo dia
carregando a suposta fantasia
por aquela que o fez tão miserável.


O lançamento ocorrerá hoje, às 18 horas, na Livraria Café & Cultura, em Mossoró. Veja o convite abaixo, que, aliás, é uma réplica da bela capa do livro:

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cordel e repente...


Desenho obtido no site http://www.stickel.com.br/atc/coisas/2711, de Fernando Stickel
LÁGRIMAS DE UM CANTADOR CEGO

Uma bem curtinha, do colaborador RICARDO PIAU, de Juazeiro do Norte:

Não sei se já te mandei isto, mas acho uma das estrofes mais bonitas que já vi. Ouvi em um programa do Dílson Pinheiro.

O Dílson conta que um determinado cantador era cego, e estava numa cantoria homenageando sua mãe, que completava noventa anos naquela data.

Depois de muitas homenagens, um amigo chegou ao ouvido do cantador e falou que sua mãe estava chorando de tão emocionada.

O cantador pegou a viola e mandou:

Tão vendo aquela velhinha
Enrolada no seu manto
Com os olhos rasos d'água
Lavando a mágoa em seu pranto?
Cantava quando eu chorava
Hoje chora quando eu canto


Ricardo Morais

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A poesia de Jessier Quirino



JESSIER QUIRINO EM FORTALEZA

Acabo de saber que o grande poeta Jessier Quirino estará em Fortaleza neste fim de semana e fará show, sábado, dia 8, no BNB Clube, na programação do BNB Clube de Cultura.

Mais que um poeta, Jessier é um intérprete de mão cheia, que leva o público às lágrimas e às gargalhadas em seus recitais. Basta ver os seus versos e
m:
AGRURAS DA LATA D'ÁGUA

...E eu que fui enjeitada
Só porque era furada.
Me botaram um pau na boca,
Sabão grudaram no furo,
Me obrigaram a levar água
Muitas vezes pendurada,
Muitas vezes num jumento.

Era aquele sofrimento,
As juntas enferrujadas.
Fiquei com o fundo comido.
Quando pensei que tivesse
Minha batalha cumprido,
Um remendo me fizeram:
Tome madeira no fundo
E tome água e leva água,
E tome água e leva água.
Daí nasceu minha mágua:
O pau da boca caía,
Os beiços não resistiam.
Me fizeram um troca-troca:
Lá vem o fundo pra boca,
Lá vai o pau para o fundo.
Que trocado mais sem graça
Na frente de todo mundo.
E tome água e leva água
E tome água e leva água.
Já quase toda enfadada,
Provei lavagem de porco,
Ai mexeram de novo:
Botaram o pau na beirada.
E assim desconchavada,
Medi areia e cimento,
Carreguei muito concreto
Molhado duro e friento,
Sofri de peitos aberto,
Levei baque dei peitada.
Me amassaram as beiradas,
Cortaram minhas entranhas.
Lá fui eu assar castanha,
Fui por fim escancarada.
Servi de cocho de porco
Servi também de latada.
Se a coisa não complica,
Talvez eu seja uma bica
Pela próxima invernada.
E inverno é chuva, é água,
E eu encherei outras latas
Cumprindo minha jornada.

Para conhecer melhor sua obra, vale a pena fazer uma visita ao seu site:
www.jessierquirino.com.br.

Mas como a poesia de Jessier fica ainda melhor "dizida" que lida, a Rádio Mundo Cordel traz hoje “Miss Feiúra Nenhuma”, do livro/cd “Bandeira Nordestina”.


Cordel e repente





POESIA INDO E VOLTANDO

Ainda sobre grau de dificuldade dos estilos das poesias, devo confessar que também tenho atração por esses desafios. Outro dia me deu na idéia de fazer uma estrofe de martelo agalopado que pudesse ser cantada tanto de cima para baixo como de baixo para cima, ou seja, que os versos pudessem ser cantados na ordem inversa, sem perder o sentido. Aí fiz o seguinte:

Poesia pra dizer indo e voltando
Não é coisa para qualquer um fazer.
É preciso o poeta conhecer
O mistério de falar sempre rimando,
Com destreza as palavras ir juntando,
E falar da sua dor com alegria,
Misturar realidade e fantasia,
Pra dizer o que ele quer de trás pra frente.
É preciso um poeta inteligente
Pra dizer indo e voltando a poesia.

Pra dizer indo e voltando a poesia,
É preciso um poeta inteligente,
Pra dizer o que ele quer de trás pra frente,
Misturar realidade e fantasia,
E falar da sua dor com alegria,
Com destreza as palavras ir juntando.
O mistério de falar sempre rimando,
É preciso o poeta conhecer .
Não é coisa para qualquer um fazer,
Poesia pra dizer indo e voltando.

Passaram-se vários dias, acho que uns dois meses, e voltei a abrir o arquivo para ver o que havia nele. Quando li os versos acima, senti como se fosse outro poeta que os houvesse escrito. Então respondi:

O poeta mostra do que é capaz
Ao fazer a poesia desse jeito.
Quando eu não sabia nem falar direito,
Já cantava assim como você faz.
Já rimava para a frente e para trás,
Já sabia fazer versos recuando.
Eu já tinha das palavras o comando,
Antes de fazer três anos de idade.
Não me causa a menor dificuldade
Essa sua poesia indo e voltando.

Essa sua poesia indo e voltando
Não me causa a menor dificuldade.
Antes de fazer três anos de idade,
Eu já tinha das palavras o comando.
Já sabia fazer versos recuando,
Já rimava para a frente e para trás,
Já cantava assim como você faz,
Quando eu não sabia nem falar direito.
Ao fazer a poesia desse jeito
O poeta mostra do que é capaz.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Cordel e educação



“MARTELO PERGUNTADO”, “NÓ APERTADO” E A "RÁDIO MUNDO CORDEL"

O post anterior, que fala das visitas de poetas ao Mundo Cordel, mereceu comentário do blogueiro e escritor GILBAMAR, autor do blog GILBAMAR, POESIAS E CRÔNICAS.

Em seu comentário, Gilbamar dá exemplo de humildade ao manifestar seu desejo de:

“registrar, muito feliz,que a receita de cordel feita pelo talentoso Mundim do Vale foi bastante proveitosa para mim. Embora os meus cordéis ainda não tenham esse tempero tão equilibrado e de qualidade, que torna a poesia pura e encantadora, vou aprendendo com vocês,os mestres. Grande abraço, extensivo ao vate Mundim do Vale”

Quem já visitou o blog de Gilbamar sabe o quanto ele é bom, tanto na prosa como na poesia.

Mas já que estamos falando de receita para fazer poesia, uma coisa interessante de se observar na poesia popular é a variedade de gêneros, com rigorosas regras de métrica e de rima, e até mesmo de oração. É como se os poetas criassem dificuldades para eles mesmos, apenas para testar sua capacidade de transmitir suas idéias e sentimentos em um formato rígido de escrita.

Por exemplo: o martelo perguntado, que é uma versão do martelo agalopado, mas no qual, em uma estrofe, um cantador faz perguntas, e na seguinte, o outro cantador as responde.

Não sei se o mais difícil é perguntar ou responder, mas fica muito interessante. Para mostrar um exemplo, implanto uma novidade em Mundo Cordel, a Rádio Mundo Cordel, e apresento um trecho de um MARTELO PERGUNTADO feito pelos Nonatos:



Outro exemplo interessante desse tipo de poesia é encontrado no CD “Acorda Cordel na Sala de Aula”, de Arievaldo Viana. É o “nó apertado”, que a Rádio Mundo Cordel mostra, na composição de Zé Maria de Fortaleza e Jocélio:



Dá pra imaginar a complicação de se fazer poesia dessa forma, mas a criatividade de nossos poetas está acima dessas coisas, e tudo acaba ficando muito divertido.
Veja outros posts sobre a técnica de fazer cordel:

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Poetas em MundoCordel



VISITAS DOS POETAS AO MUNDO CORDEL

Uma das coisas boas de se manter um blog como este, destinado à divulgação da cultura, é receber dos visitantes, e dos próprios autores, comentários acerca do material divulgado, inclusive sugerindo novas postagens.

Rouxinol do Rinaré e Flávio Martins, do IMEPH, nos deram essa alegria. Postei sobre os livros de cordel ilustrados do IMEPH, voltados para o público infantil, um deles de autoria de Rouxinol, e eles me presentearam com o comentário:

Poeta Marcos Mairton
Eu sinto ser necessário
Agradecer-te a atenção
Quando fazes comentário
Aos meus versos e remete
Nas ondas da internet
Num blog extraordinário.

Sou ciente que você
É juiz e menestrel
E grande divulgador
Dessa cultura fiel
Às raízes populares
Plantando entre os potiguares
A semente do cordel.

Flávio Martins do IMEPH
Te manda um muito obrigado
Pela atenção e espaço
Que você tem dispensado
No seu blog, sobre tudo
Os livros e o conteúdo
Que você tem divulgado.
Nonato Luiz também nos deu esse prazer, quando, a respeito da declamação de OS CINCO SENTIDOS ao som de Rubi Grená, disse:

Olha já visitei o seu blog e achei realmente uma maravilha a sua poesia "OS CINCO SENTIDOS" junto a minha música "RUBI GRENÁ. Para seu contrôle gostaria de te falar que achei perfeito o ritmo, a colocação(entonação) e o timbre da voz no momento em que você declama os belíssimos versos com a música rolando ao fundo. Meus parabéns.

Depois foi Mundim do Vale, que também teve poesia exposta por aqui:

Mairton.

Ricardo me falou do seu interesse por cultura popular e por isto eu tomei a liberdade de enviar em anexo alguns trabalhos. São da minha autoria e responsabilidade pode usá-los da forma quelhe convier.
Abraço.

Mundim do Vale. Do Vale do Machado.
Ou Raimundinho Piau. Da terra do arroz.

Encerro, portanto, com mais uma das várias poesias que Mundim do Vale nos enviou. Como muita gente trafega por aqui em busca de dicas para escrever um bom cordel, segue uma muito instrutiva:

RECEITA PARA CORDEL
Mundim do Vale

O verso para cordel
Fica bem em septilha,
Mas faltando ingrediente
Pode ser feito em sextilha,
Faça por essa receita
Que fica uma maravilha.

Não esqueça de botar
Um pouco de alegria,
Humor é fundamental
Para a boa poesia,
Se o colega duvidar
Confirme com Zé Maria.

Não queira fazer volume
Não force a inspiração,
O cordel tem que ter arte,
Rima e metrificação,
Lembre que o melhor sabor
É da pequena porção.

Desenvolva seu cordel
Com humildade e amor,
Coloque tempero bom
Para agradar o leitor,
Pois ele é quem avalia
A receita do autor.

Se você tem esse dom
Só precisa aprimorar,
Se nasceu pra ser poeta
A rima não vai faltar,
Você acha inspiração
Sem precisar se esforçar.

Uma pitada de rima
Você tem que acrescentar,
Métrica se faz relevante
Para o verso não quebrar,
Na cobertura uma capa
Para melhor ilustrar.

Para o cordel não queimar
Faça a receita segura,
Acrescente a construção
E o enredo na mistura,
Depois faça a impressão
Em média temperatura.

Faça sozinho a receita
Pra ser personalizada,
Não é bom fazer cordel
Com ajuda atrapalhada,
Panelas que muitos mechem
Ou fica insossa ou salgada.

Não bote muita pimenta
Controle também o sal,
O cordel precisa ser
Espontâneo e natural,
Que depois de concluído

Tem seu valor cultural.

A receita de cordel
Tem que ser bem coerente,
Se o colega quer fazer
Procure um tema decente,
Para não ficar vulgar
Obedeça a sua mente.

A receita pede ainda
A responsabilidade,
O cordel é um projeto
Que requer capacidade,
Para não ficar restrito
Somente a maioridade.

Fazendo pela receita
Sabendo metrificar,
Botando a rima perfeita
No seu devido lugar,
Nenhum catador de pulgas
Vai ter erros pra catar.

Faça toda essa receita
Bem distante de fascismo,
Não deixe se aproximar
De onde houver o machismo,
Procure evitar também
Contato com o racismo.

Bote os temperos com calma
Cada um na sua vez,
Não esqueça de botar
Dez gramas de sensatez,
Que quando o leitor olhar
Já sabe quem foi que fez.

Bote um pouco de equilíbrio
Pra manter a disciplina,
Não vá repetir temperos
Para não virar rotina,
Depois coloque o aroma
Da essência nordestina.

Quando a mistura apurar
Polvilhe sinceridade,
Enquanto ela descansa
Faça o molho da amizade,
Para depois ser servida
Com o recheio da verdade.

Coloque tudo na ordem
Antes de botar na mesa,
Verifique a aparência
Para servir com certeza,
Que a receita ficou
Ilustrada com pureza.

Mexendo bem devagar
Vá botando sentimento,
Bote a ética gradual
Conforme o seu pensamento,
E para não embolar
Bote todo o seu talento.

A receita também mostra
O cordel como mensagem,
O autor vira um ator
Do seu próprio personagem,
E assim o poeta faz
Mais perfeita a sua imagem.

Depois da receita pronta
O leitor vai degustar,
E autor sem vaidade
Fica a se perguntar:
Será que eu contribuí
Pra cultura popular?

Não deixe que o orgulho
Altere seu proceder,
Não alto se valorize
Mantenha o jeito de ser,
Pois quem julga seu cordel
È o leitor depois de ler.

Se você tá começando
Leia a receita também,
Que um dia você será
Um cordelista de bem,
Mas cresça com humildade
Sem atropelar ninguém.

Se o leitor já é poeta
Desculpe a intervenção,
Não sou nenhum professor
Para querer dar lição,
Eu também ando na busca
Da fonte de inspiração.

Aqui termino a receita
De um cordel confeitado,
Espero que os poetas
Recebam bem o recado,
Assino Mundim do Vale
Da região do Machado.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Poesia para cães

Foto obtida em http://samugliestdog.com/

“SAM, THE UGLY DOG” E O CÃO VELUDO

Estava procurando alguma coisa interessante na internet, quando me deparei com o
site do cãozinho Sam. Ao ver o bichinho tão feio, logo lembrei-me de Veludo, segundo a poesia de Luiz Guimarães, “o cão mais feio que houve no mundo”.

Na verdade, gosto muito da poesia “História d’um cão” e, apesar de já tê-la lido inúmeras vezes, ainda me emociono quando a releio.

Vejamos, então a

HISTÓRIA D'UM CÃO
Luiz Guimarães

Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo,
Para dizer numa palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo.

Recebi-o das mãos dum camarada.
Na hora da partida, o cão gemendo
Não me queria acompanhar por nada:
Enfim - mau grado seu - o vim trazendo.

O meu amigo cabisbaixo, mudo,
Olhava-o ... o sol nas ondas se abismava....
«Adeus!» - me disse,- e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.

«Trata-o bem. Verás como rasteiro
Te indicarás os mais sutís perigos;
Adeus! E que este amigo verdadeiro
Te console no mundo ermo de amigos.»

Veludo a custo habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.

Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitado
A sua cauda - caminhava errante
A luz da lua - tristemente uivando

Toussenel: Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoológicos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão estes senhores.

Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo
Um envelope fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! era um artigo

Contendo a narração miuda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em rios, árvores gigantes:

Gabava o steamer que o levou; dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais - todas francesas.

Assombrava-me muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso d’uma passageira...
Mil coisas mais de que me não recordo.

Finalmente, por baixo disso tudo
Em nota breve do melhor cursivo
Recomendava o pobre do Veludo
Pedindo a Deus que o conservasse vivo.

Enquanto eu lia, o cão tranquilo e atento
Me contemplava, e - creia que é verdade,
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.

Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso
Movendo a cauda, - e adormeceu contente
Farto d’um puro e satisfeito gozo.

Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre d’aquele companheiro;
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher d’um velho carvoeiro.

E respirei! «Graças a Deus! Já posso»
Dizia eu «viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo».

Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca sismadora.

Mal respirei, porém! Quando dormia
E a negra noite amortalhava tudo
Sentí que à minha porta alguem batia:
Fui ver quem era. Abrí. Era Veludo.

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E - de cansado - foi rolar dormindo
Como uma pedra, junto do meu leito.

Preguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como o miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.

E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo

Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante em instante ia o tufão crescendo.

Chamei Veludo; ele seguia-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.

Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo - e com furor remamos

Veludo à proa olhava-me choroso
Como o cordeiro no final momento,
Embora! Era fatal! Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.

No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.

Voltei à terra - entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo nas ondas moribundo.

Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei - oh grande dor! - haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: - eu tinha-o unido

Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.

Certo caira além no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah, se Veludo

Duas vidas tivera - duas vidas
Eu arrancaria àquela besta morta
E àquelas vís entranhas corrompidas.
Nisto sentí uivar à minha porta.

Corrí, - abrí... Era Veludo! Arfava:
Estendeu-se a meus pés, - e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.

Fôra crível, oh Deus? - Ajoelhado
Junto do cão - estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Cordel em Várzea Alegre



A VIOLA DE MUNDIM DO VALE

No post anterior noticiei a falta dos internautas do Cariri em MundoCordel, especialmente os de Juazeiro do Norte.

Pois no mesmo dia ocorreu de eu manter contato com meu amigo Ricardo Piau, natural de Várzea alegre, morando atualmente no Juazeiro de Meu Padim.


Pra quem não conhece, Várzea Alegre é um município localizado a 467 km de Fortaleza, com uma população de 34.844 habitantes em 2000 (fonte: wikipedia.org), muito amada pelas pessoas que nascem lá. Digo isso porque conheço vários varzealegrenses e todos vivem repetindo a frase: "Ô Várzea Alegre boa! Só é longe...". Em Fortaleza, vez por outra se vê um carro com essa frase no vidro traseiro.

Ricardo, que não vejo a anos, sempre tinha alguma história pra contar de sua terra, como aquela da cadeia que ficava na Rua da Liberdade. Tem também a história do cego da Boa Vista que morreu afogado na Lagoa Seca...

Bem, ontem Ricardo me deu a boa notícia de que seu irmão mais velho havia se tornado poeta, adotando o nome de "Mundim do Vale". Aproveitou para me enviar alguns trabalhos do poeta, um dos quais compartilho agora com os visitantes de MundoCordel:


A BANDEIRA DO SERTÃO

Toca viola guerreira
Nas mãos do teu cantador
Mostra ser a pioneira
Prova teu grande valor
Vais também para a cidade
Mostrar tua qualidade
De cultura resistente
Pede licença ao sertão
E vais mostrar perfeição
Tocando pra outra gente

Tocaste anos atrás
Com “Catulo e Aderaldo”
Hoje vens tocando mais
Com “Zé Maria e Geraldo”
És a boa companhia
Que ilustra a cantoria
De um repentista seguro
Tu que conservas a história
De um passado de glória
Olhas também teu futuro

Mostra que fizeste parte
Do folclore Brasileiro
Que seguiste o estandarte
De Antônio Conselheiro
Foste tu “ brava viola”
O caminho e a escola
Dos melhores cantadores
Conseguiste diplomar
Na cultura popular
Repentista de valores

Tocaste pra Lampião
E os seus “ Cabras-da peste “
Também pra Frei Damião
Santo frade do Nordeste
Tocaste a chuva molhando
E o sertanejo cantando
Alegre na plantação
Também tocaste o sol quente
Da cruel seca inclemente
Esturricando o sertão

Viola esse teu padrão
É de peça de estima
És o ponto de união
Entre o poeta e a rima
Teu toque lembra o romeiro
Com destino ao Juazeiro
Em seu grande objetivo
Tu lembras também teu dono
Que vive no abandono
Por falta de incentivo

Foste tu “ brava guerreira “
Que me deste inspiração
Também foste a primeira
Que tocou no meu sertão
É chegada a tua vez
De perder a timidez
Onde quer que tu estejas
Não esqueças tua fama
Que tu és “Primeira dama “
Das culturas sertanejas

O teu espaço negado
Foi pior do que tortura
Mas tu muito tens lutado
Com teu ato de bravura
Continua a batalhar
Que um dia há de chegar
O diploma do teu teste
Tu serás reconhecida
No resto da tua vida
Como um “Símbolo do Nordeste “

Não invejes a guitarra
Nas mãos de um metaleiro
Porque tu tens muita garra
Nas mãos do teu violeiro
Mostra que sabes tocar
Na cultura popular
Defendendo o teu torrão
Fazes sons aparecer
Que um dia tu hás de ser
A BANDEIRA DO SERTÃO.


quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Saudação a Juazeiro do Norte



AOS INTERNAUTAS DE JUAZEIRO DO NORTE

Quase não acreditei! Dei uma olhada no Google Analytics e descobri que, desde que MundoCordel foi criado, em 19 de agosto de 2007, já recebeu mais de 3.200 visitas de 188 cidades do mundo inteiro, e nenhuma, mas nenhumazinha, de minha querida Juazeiro do Norte!

Peço, então, a algum internauta da região caririense que transite por este blog, ou que conheça alguém de lá, que faça chegar àquela terra onde morei tão pouco tempo, mas que me recebeu tão bem, a notícia de que existe um mundo onde se fala de cordel, de xilogravura, da Lira Nordestina e de tantas outras coisas belas que fazem o Mundo Cordel.

Na esperança de que logo os internautas caririenses estejam circulando por aqui, tomo emprestados os versos de Patativa do Assaré para fazer uma:

SAUDAÇÃO AO JUAZEIRO DO NORTE

Mesmo sem eu ter estudo
Sem ter do colégio obafejo
Juazeiro, eu te saúdo
Com meu verso sertanejo.
Cidade de grande sorte,
De Juazeiro do Norte
Tens a denominação,
Mas tem nome verdadeiro
Será sempre Juazeiro
De Padre Cícero Romão.

O Padre Cícero Romão
Que, por vocação celeste,
Foi, com direito e razão,
O Apóstolo do Nordeste.
Foi ele o teu protetor
Trabalhou com grande amor,
Lutando sempre de pé
Quando vigário daqui
Ele semeou em ti
A sementeira da fé.

E com milagre estupendo
A sementeira nasceu,
Foi crescendo, foi cerscendo,
Muito ao longe se estendeu
Com a virtude regada
Foi mais tarde transformada
Em árvore frondosa e rica.
E com a luz medianeira
Inda hoje a sementeira
Cresce, flora e frutifica.

Juazeiro, Juazeiro,
Jamais a adversidade
Extinguirá o luzeiro
De tua comunidade.
Morreu o teu protetor,
Porém a crença no amor
Vive e cada coração
E é com razão que me expresso
Tu deves o teu progresso
Ao Padre Cícero Romão.

Aquele ministro amado
Que tanto favor nos fez,
Conselheiro consagrado
E o doutor do camponês,
Contradizer não podemos
E jamais descobriremos
O prodígio que ele tinha.
Segundo a popular crença,
Curava qualquer doença,
Com malva branca e jarrinha.

Juazeiro, Juazeiro,
Tua vida e tua história
Para o teu povo romeiro
Merece um padrão de glória.
De alegria tu palpitas,
Ao receber as visitas
De longe, de muito além.
Grande glória tu viveste!
Do nosso caro Nordeste
Tu és a Jerusalém.

Sempre me lembro e relembro,
Não hei de me deslembrar:
O dia 2 de novembro,
Tua festa espetacular,
Pois vêm de muitos Estados
Os carros superlotados
Conduzindo passageiros
E jamais será feliz
Aquele que contradiz
A devoção dos romeiros.

No lugar onde se achar
Um fervoroso romeiro,
Ai daquele que falar
Contra ou mal, do Juazeiro.
Pois entre os devotos crentes,
Velhos, moços, inocentes,
A piedade é comum,
Porque o santo reverendo
Se encontra ainda vivendo
No peito de cada um.

Tu, Juazeiro, és o abrigo
Da devoção e da piedade.
Eu te louvo e te bendigo
Por tua felicidade,
Me sinto bem, quando vejo
Que tu és do sertanejo
A cidade predileta.
Por tudo quanto tu tens
Recebe estes parabéns
Do coração de um poeta.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Cordel de Antonio Francisco



O QUE FALTA NA HUMANIDADE


Semana passada MundoCordel recebeu pedido da poesia "Aquela dose de amor", de Antonio Francisco. Trata-se, realmente, de obra que dá gosto de se ler. E nesses tempos de conscientização em favor da ecologia, é oportuna a reflexão para a responsabilidade do ser humano pelas dificuldades pelas quais o planeta está passando. Fiquemos com a poesia de Antonio Francisco (para ler mais sobre Antonio Francisco neste blog, clique aqui):


AQUELA DOSE DE AMOR
(do livro
DEZ CORDÉIS NUM CORDEL SÓ, Ed. Queima-Bucha, Mossoró, 2006)
Antonio Francisco

Um certo dia eu estava
Ao redor da minha aldeia
Atirando nas rolinhas,
Caçando rastros na areia,
Atrás de me divertir
Brincando com a vida alheia.

Eu andava mais na sombra
Devido ao sol muito quente,
Quando vi uma juriti
Bebendo numa vertente.
Atirei, ela voou.
Mas foi cair lá na frente.

Carreguei a espingarda,
Saí olhando pro chão,
Procurando a juriti
Nos troncos do algodão,
Quando surgiu um velhinho
Com um taco de pão na mão.

O velho disse: - “Senhor,
Não quero lhe ofender,
Mas se está com tanta fome
E não tem o que comer,
Mate a fome com este pão,
Deixe este pássaro viver.”

Eu disse: - Muito obrigado,
Pode guardar o seu pão...
Eu gasto mais do que isso
Com a minha munição.
Eu mato só por prazer,
Eu caço por diversão.

O velho disse: -“É normal
Esse orgulho do senhor
E todo esse egoísmo
Que tem no interior.
É porque falta no peito
Aquela dose de amor.

Se eu tivesse botado
Ela no seu coração,
Você jamais mataria
Um pardal sem precisão,
Nem dava um tiro num pato
Apenas por diversão.”

Eu fiquei muito confuso
Com as frases do ancião.
Aquelas suas palavras
Tocaram meu coração
Derrubando meu orgulho
E a vaidade no chão.

Me vali da humildade
E disse: - Perdão, senhor,
Desculpe a minha arrogância,
Mas lhe peço um favor,
Que me conte essa história
Sobre essa dose de amor.

O velho disse: - “Pois não.
Vou explicar ao senhor
Porque mesmo sem querer
Sou o maior causador
De hoje em dia o ser humano
Ser tão carente de amor.

Isso tudo aconteceu
Há muitos séculos atrás
Quando meu Pai fez o mundo
Terra, mares, vegetais.
Me pediu pra lhe ajudar
No último dos animais.

Pai me disse: - ‘Filho, eu fiz
Da formiga ao pelicano;
Botei veneno na cobra,
Bico grande no tucano,
Agora estou terminando
Este animal ser humano.

Mas ficou meio sem graça
Este animal predador...
O couro não deu pra nada,
A carne não tem sabor,
Na cabeça tem juízo,
Mas, no peito, pouco amor.

Por isso que eu lhe chamei
Pra você lhe consertar,
Botar mais amor no peito,
Lhe ensinar a amar
E tirar dessa cabeça
O desejo de matar’.

Depois disse: - ‘Filho, vá
Amanhã lá no quintal,
No casa dos sentimentos,
Perto do pote do mal...
Traga a dose de amor
E bote nesse animal’.

De manhã eu fui buscar
Aquela dose sozinho,
Mas na volta me entreti
Brincando com um passarinho
Perdi a dose do amor
Numa curva do caminho.

Quando eu notei que perdi,
Voltei correndo pra trás,
Procurei em todo canto,
Mas cadê eu achar mais.
Aí eu fiz a loucura
Que toda criança faz.

Voltei, peguei outra dose
Igualzinha a do amor,
O vidro da mesma altura,
O rótulo da mesma cor...
Cheguei em casa e botei
No peito do predador.

Mas logo no outro dia
Meu pai sem querer deu fé
Do animal ser humano
Chutando o sapo com o pé
E no outro ele mangando
Dos olhos do caboré.

Vendo aquilo pai chorou,
Ficou triste, passou mal,
Me chamou e disse: - ‘Filho,
O bicho não tá normal.
O que foi que você fez
No peito desse animal?’

Quando eu contei a verdade
De tudo aquilo que eu fiz
Pai disse tremendo a voz:
- ‘Eu sei que você não quis,
Mas você botou foi ódio
No peito desse infeliz.

Esse bicho inteligente
Com esse ódio profundo,
Com pouco amor nesse peito
Não vai parar um segundo
Enquanto não destruir
A última célula do mundo.

Depois daquelas palavras,
Chorei como um santo chora.
Quando foi à meia-noite
Eu saí de porta afora
E nunca mais eu pisei
Na casa que meu pai mora.

Daquele dia pra cá
É esta a minha pisada,
Procurando aquela dose
Em todo canto da estrada,
Pois, sem ela, o ser humano
Pra meu pai não vale nada.

Sem ela, vocês humanos
Não sabem dar sem pedir,
Viver sem hipocrisia,
Ficar por trás sem trair
Nem distante do poder
Nem discursar sem mentir.

Sem ela, vocês trucidam
E batizam os crimes seus.
Na era medieval
Queimaram bruxas e ateus
E perseguiram os hereges
Usando o nome de Deus.

Sem ela, foram pra África
E fizeram a escravidão...
Com os grilhões do preconceito
Escravizaram o irmão
Com a espada na cintura
E uma bíblia na mão’.

O velho disse: - “Perdoe
Ter tomado o tempo seu.
Consertar vocês, humanos,
É um problema só meu.”
Aí o velho sumiu
Do jeito que apareceu.

E eu fiquei ali em pé
Coçando o queixo com a mão,
Pensando se era verdade
As frases do ancião
Ou se era tudo fruto
Da minha imaginação.

E naquele mesmo instante
Vi passando na estrada
A juriti que eu chumbei
Com uma asa quebrada,
Mas não tive mais coragem
De atirar na coitada.

Joguei fora a espingarda,
Voltei olhando pro chão
Procurando aquela dose
Nos troncos do algodão
Pra guardá-la com carinho
Dentro do meu coração.

Se acaso algum de vocês
Tiver a felicidade
De encontrar aquela dose,
Eu peço por caridade
Derrame todo o sabor
Daquela dose de amor
No peito da humanidade.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Minha poesia e o violão de Nonato Luiz



ENCONTRO DA MÚSICA COM A POESIA

Era um sábado à tarde – e isso já faz quase um ano – quando eu estava na casa do amigo Samuel Facó, advogado em Fortaleza, e comentei com o compositor e violonista Nonato Luiz, nosso amigo em comum, sobre a intenção de gravar meus cordéis em um CD, especialmente para as pessoas que não sabem ler a poesia em seu ritmo característico.

Nonato imediatamente pôs à disposição suas músicas, para funcionarem como cenário das declamações, e fez a sugestão, que para mim foi um comando: “A poesia OS CINCO SENTIDOS você vai declamar ao som de RUBI GRENÁ”.




Depois disso, “letrei” uma música de Nonato, e fico todo orgulhoso quando ele me chama de “parceiro”. Afinal, Nonato Luiz é “um dos instrumentistas brasileiros mais respeitados no circuito europeu, onde vem desenvolvendo, ao longo dos anos, inúmeros concertos em violão, elogiados pela crítica especializada. Suas músicas já foram gravadas por violonistas de todo o mundo (Brasil, Tchecoslováquia, Estados Unidos, Inglaterra, China, Argentina, Alemanha, Áustria, França etc.). É um dos privilegiados brasileiros a lançar na Europa um livro reunindo as partituras de suas composições entitulado 'Suíte Sexta em Ré Para Guitarrra', editado pela Henry Lemoine, em Paris-França”, conforme registra seu site.

Bem, o CD ainda não saiu, mas o encontro de OS CINCO SENTIDOS com RUBI GRENÁ eu fiz no clipe acima.

Segue o texto da poesia:

OS CINCO SENTIDOS
(para Natália Guberev)

Com os meus cinco sentidos
Percebo a natureza.
Boca, olhos e ouvidos,
Pele e nariz na certeza
De captar o sabor
A beleza, o odor,
A textura, a melodia
Das coisas que a cada dia
Eu encontro em minha vida,
E da mulher tão querida,
Que me enche de alegria.

O PALADAR
Existem muitos sabores
Pra agradar o paladar:
Bebidas finas, licores,
Vinho tinto e caviar.
Mas nada tem o sabor
Dos beijos do meu amor,
Quando vem e me abraça.
Com os braços me enlaça,
Encosta seu corpo ao meu,
E eu pergunto: quem sou eu
Pra merecer essa graça?

A VISÃO
Fazendo a comparação
De onde há mais beleza.
Na água, no ar, no chão,
Em toda a natureza,
Nunca vi coisa tão bela
Como o sorriso dela,
Da minha doce amada.
Ela vem tão delicada,
E fala ao meu ouvido:
És meu príncipe querido,
Eu quero ser tua fada.

A AUDIÇÃO
A música nos alcança
Por meio da audição.
Pelos ouvidos avança,
Pra chegar ao coração.
Mas, o som que mais me agrada
É a voz da minha amada,
Quando fala ao meu ouvido.
Cada sussurro ou gemido,
Cada agudo e cada grave
É uma nota suave
Me deixando embevecido.

O TATO
O tato é que nos revela,
Na escuridão mais escura,
Do veludo e da flanela,
A maciez e a textura.
Mas não há tecido ou fio
Que possa ser mais macio
Que a pele da minha amada.
Fica comigo abraçada,
Se transforma em cobertor,
E o frio vira calor
No meio da madrugada.

O OLFATO
Num jardim com muitas flores,
É grande a diversidade
De essências e odores
De toda variedade.
Mas não existe uma flor
Com o cheiro do meu amor,
Quando vem pra minha cama.
Vem falando que me ama,
E me diz suavemente:
Tu és a centelha quente
Que acende a minha chama.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cordel e atualidades: as prisões


QUEM ESTÁ DENTRO E QUEM ESTÁ FORA DAS PRISÕES?

Perguntei ao poeta Marcos Mairton, autor deste blog, se ele me faria versos falando sobre as prisões brasileiras. Ele pediu um tempo para pensar, e no dia seguinte me enviou um e-mail com os versos abaixo:

No jornal vi a notícia
Que não chega a ser surpresa:
“Muita gente que está presa
Não dá sossego à polícia”.
Com engenho e com malícia
E com muita ousadia
Os bandidos, quem diria,
Dão golpe por telefone.
Acho que nem Al Capone
Esperava isso um dia.

Traficantes poderosos
Também dão continuidade
À sua atividade
Seus negócios criminosos.
Auxiliares ciosos
Vão cumprindo as missões
Que recebem dos chefões
Que estão dentro dos presídios
Seqüestros e homicídios
São suas ocupações.

Já o cidadão de bem
Esse vive assustado,
Na sua casa trancado,
E até no carro, quem tem,
Ali se tranca também,
Levanta o vidro e então
Segue com o coração
Batendo muito ligeiro,
É assim o carcereiro
Da sua própria prisão.

Cercas eletrificadas
Se estendem sobre os muros
Que já não deixam seguros
Seus lares, suas moradas.
Janelas bem gradeadas,
Também não dão segurança.
Vai morrendo a esperança
De em nossa sociedade,
Reinar a tranqüilidade
De quando eu era criança.

Vendo isso acontecer
Reflito sobre o problema:
Por que o nosso sistema,
De punir e de prender
Não consegue resolver
A questão da violência?
Será só incompetência
Dos governos da nação?
Ou existe outra razão
E nós não temos ciência?

Eu sei que essa questão
Envolve outros fatores
Que também são causadores
Do problema em discussão.
Desemprego, educação,
Ou melhor, a falta dela,
Abandono da favela
Ao poder dos traficantes,
São fatores importantes
Para por em nossa tela.

Compondo esse cenário
Se destacam as prisões.
Lotadas, sem condições,
Seu estado é bem precário.
Nelas o presidiário,
Em vez de se arrepender,
E nunca mais cometer
O ato que o condenou,
Sai pior do que entrou
Do crime passa a viver.

Não precisa ser doutor
Pra saber dessa verdade,
Quem diz, na realidade,
É o próprio infrator.
O Pedrinho Matador,
Que já matou mais de cem
Certa vez disse a alguém,
Com muita convicção:
“A cadeia, meu irmão,
não recupera ninguém”.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Cordel e Xilogravura


XILOGRAVURA NA LITERATURA DE CORDEL

Uma das muitas coisas boas que pude encontrar na Feira do Livro de Mossoró foi o livro XILOGRAVURA POPULAR NA LITERATURA DE CORDEL, de Jeová Franklin, em comemoração aos 100 anos da xilogravura popular na literatura de cordel, editado pela LGE Editora.

Apresentando obras dos principais xilogravadores nordestinos, o livro traz ainda um DICIONÁRIO ONOMÁSTICO DE XILOGRAVADORES POPULARES DO NORDESTE.

Segue um trecho do livro:

A gravura popular utilizada na literatura de Cordel apareceu no Nordeste em 1907, sem festas e completou o primeiro centenário, quase 200 anos depois da chegada da imprensa ao Brasil. A primeira xilogravura apareceu no folheto de Francisco das Chagas Baptista em setembro de 1907. Foi editado na Imprensa Industrial instalada na Rua Visconde de Itaparica, números 49 e 51 no Recife.

Na página interna onde era impressa a xilogravura, não havia título e nenhum tipo de apresentação, apenas a legenda pura e simples com o nome Antonio Silvino. Um homem vestido de chapéu de couro, com bacamarte na mão e espada na cintura, mais parecido com o tipo europeu.

Ao imprimir o enredo poético de 48 páginas, sem outros anexos, o folheto trazia na capa o nome do autor, o título em horizontal e abaixo dele o seguinte aviso: A história de Antonio Silvino, contendo o retrato e toda a vida de crimes do célebre cangaceiro, desde o seu primeiro crime até a data presente – Setembro de 1907.

Tanto os folhetos com xilogravura ou sem xilogravura fazem parte dos primeiros enredos datados e arquivados no Brasil. Os poetas pioneiros em poesia popular, Antonio Pirauá de Lima, Francisco das Chagas Baptista e Leandro Gomes de Barros, não deixaram cópias escritas dos poemas populares editados no final do século XVIII.

A Fundação Casa de Rui Barbosa mantém na Literatura popular em versos o folheto produzido por Chagas Baptista em 1904, com o nome a Vida de Antonio Silvino, editado pela Imprensa Industrial. Nele está o enredo impresso em oito páginas, acrescido dos poemas Anatomia do Homem e mais as poesias Chromo (para Hortência Ribeiro) e Amor Materno (à minha mãe), com 16 páginas.

Em 1908, Chagas Baptista lançou em Recife A História de Antonio Silvino (novos crimes) “Contendo todas as façanhas do célebre quadrilheiro desde setembro de 1907 até junho de 1908” e depois A morte de Cocada e a prisão de suas orelhas e a política de Antonio Silvino.

A partir de 1911, Chagas Baptista passou a editar o cordel na Paraíba. O primeiro com o título Novas Lutas de Antonio Silvino, editado pela Livraria Gonçalves Penna localizada na rua Maciel Pinheiro, na cidade hoje chamada de João Pessoa. Neste, o enredo impresso em 16 páginas prometia continuar na Segunda Luta de Antonio Silvino com uma onça. Na segunda página vinha a gravura de Antonio Silvino com traços esmaecidos como se fosse produto da passagem da gravura original por diferente processo de produção.

Com as gravuras sempre na segunda página, as histórias de Chagas Baptista prosseguiam. Em 1912 com a imagem mais deformada. No ano de 1925, também em página interna, a mesma figura de Antonio Silvino passou a ilustrar a História Completa de Lampião só que desta vez traçada em nova xilogravura com pequena e gorda imagem, mais parecido com o homem nordestino. Ela está impregnada de forte tinta no alto relevo de matizes de madeira, que viriam a se transformar em prática atual dos xilogravadores populares.

Nos folhetos de Chagas Baptista as gravuras só vieram para a capa a partir de 1925, quando Chagas aderiu à zincografia (matizes metálicas) nos livretos Conselhos do Padre Cícero a Lampião e O marco de Lampião.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Cordel, repente e Direito

Antonio Francisco, Marcos Mairton, Gustavo Luz, Ivanildo Vilanova, Zé Luís e esse rapaz, de azul, que não estou lembrando o nome, bem que poderia mandar um email para eu completar a informação.

DIREITO, CORDEL, REPENTE E UM DESAFIO AO CONTRÁRIO

Desde que se referiram ao meu cordel “O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA” como sendo de autoria de um juiz do Rio Grande do Norte, sem sequer mencionar meu nome, nem o fato de eu ser poeta, fiquei meio ressabiado em publicar poesias tratando de assuntos jurídicos.
Mas hoje não dá pra evitar. Depois de receber uma visita do grande Zé Luís, um verdadeiro repentista da advocacia – ou um advogado do repente – não há como não misturar as ciências jurídicas e poéticas.
Por exemplo, olha como é que Zé Luís abre o livro MEDIDAS LIMINARES NO PROCESSO CIVIL, escrito em parceria com José Herval Sampaio Júnior:

Realçou Carnelluti o quanto importa
Ver que o tempo é danoso e temerário
Impedindo o Poder Judiciário
De atender os que vão à sua porta;
A Sentença, ao surgir, é natimorta,
O Processo se torna ineficaz...
Rui Barbosa, um dos mestres geniais,
Já dizia ao Brasil antigamente:
“A Justiça tardia é simplesmente
Rematada injustiça e nada mais!”

Precisamos levar Direito aos lares,
Melhorando a Justiça da República
Com Ação Popular, a Civil Pública,
Liminar nas Medidas Cautelares;
Porque são as Medidas Liminares
Supressão do efeito temporal;
Na Tutela Específica, Interdital,
No Writ, afinal, em todos esses,
Solução dos conflitos de interesses,
Recompondo o tecido social!

Mesmo humilde, esta obra traz em si
Carlos Mário Veloso, mas Cretella,
J. J. Calmon, Scarpinella,
Celso Antonio Bandeira e Teori;
Theodoro, Rangel, Buzaid, Hely,
Nelson Nery e Marcato, outra potência;
Castro Nunes, sublime inteligência;
Encontra-se, leitor, no livro inteiro,
O melhor do Processo Brasileiro
Dissecando as Tutelas de Urgência!

Quando foi me entregar o meu exemplar, Zé Luís, que tinha acabado de ler o meu livro UMA SENTENÇA, UMA AVENTURA E UMA VERGONHA, fez a dedicatória em forma de decassílabo, nela fazendo referência a várias das poesias que escrevi. Ficou assim:

Parabéns a você, poeta nato,
Que em sonhos, ouviu, entre outros nomes,
Aderaldo, Martins, Leandro Gomes,
Lhe instigando a cantar pétala e regato;
A sentença do estelionato;
O galope, um trabalho muito bom;
Ofereço a você, que nasceu com
Força, garra, talento, luz e fé,
Ser Juiz Federal, qualquer um é,
Ser poeta, só é quem trouxe o dom...

Hoje, Zé Luís me apareceu com glosas ao mote DE DIA É SENTENCIANDO/ DE NOITE É NO VIOLÃO. Sem pedir sua licença, amigo Zé Luís, vou apresentar suas glosas intercaladas com as minhas, sobre o mote DE DIA É ADVOGANDO/ E DE NOITE É NO REPENTE, como se fosse um desafio. Mas é um desafio ao contrário, pois, ao invés de se depreciarem, os contendores não economizam elogios mútuos:

ZÉ LUÍS:
A Consulex publica:
No agravo houve reforma!
Abre o Código, estuda a norma,
Lê, interpreta e aplica;
O Tribunal notifica
Pra prestar informação,
Saber se é verdade ou não
O que as partes tão falando
DE DIA É SENTENCIANDO,
DE NOITE É NO VIOLÃO.

MARCOS MAIRTON:
Repentista de talento,
Advogado renomado,
Convence qualquer jurado,
Rebate qualquer argumento.
Zé Luís é cem por cento,
Criativo, inteligente,
Não vejo quem o enfrente
Na tribuna ou cantando
DE DIA É ADVOGANDO
E DE NOITE É NO REPENTE.

ZÉ LUÍS:
Sei que Mairton é aquele
Que supera grandes nomes
Só João e Leandro Gomes
Foram tão bons quanto ele.
Tem outro do nível dele:
É Catulo da Paixão,
Fernando Pessoa, não,
Ele é melhor que Fernando...
DE DIA É SENTENCIANDO,
DE NOITE É NO VIOLÃO.

MARCOS MAIRTON:
Zé Luís só exagera
Quando elogia um amigo
Por isso, canta comigo,
Me dizendo que eu sou fera.
Mas, meu Deus, ai quem me dera,
Saber lhe imitar, somente,
Eu já fico bem contente
Só de lhe ouvir cantando,
DE DIA É ADVOGANDO
E DE NOITE É NO REPENTE.

ZÉ LUÍS:
Mairton é quem veste a toga
Com calma e percuciência
Despacha, faz audiência
Cita o réu e lhe interroga;
Condena o Barão da droga,
Recebe a apelação,
Faz e revoga a prisão,
Prendendo gente e soltando
DE DIA É SENTENCIANDO,
DE NOITE É NO VIOLÃO.

MARCOS MAIRTON:
Certa vez, vi Zé Luís,
Enfrentando dura prova
Com Ivanildo Vilanova
Cantador de quem se diz
Ser o maior do país.
Mas, naquele dia quente,
Ficou do tamanho da gente
E o Zé se agigantando
DE DIA É ADVOGANDO
E DE NOITE É NO REPENTE.

ZÉ LUÍS:
Se são tráficos estrangeiros
Ele adverte aos agentes:
“- Descreva os entorpecentes.
As lavagens de dinheiro,
Os nomes dos quadrilheiros,
A rota que as drogas vão,
Detalhe a operação:
Como, quem, aonde e quando...
DE DIA É SENTENCIANDO,
DE NOITE É NO VIOLÃO.

MARCOS MAIRTON:
Zé Luís faz petição,
Faz sustentação oral,
Faz recurso especial
Agravo e apelação.
Sua fundamentação,
Desmantela o oponente.
Quem estiver pela frente
É bom ir se preparando
DE DIA É ADVOGANDO
E DE NOITE É NO REPENTE.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Literatura de cordel e educação



LITERATURA DE CORDEL PARA CRIANÇAS

Terminou ontem a FEIRA DO LIVRO DE MOSSORÓ, versão 2007. Lá estive no sábado (27) à noite e gostei do movimento. Muita gente visitando as lojas e no Circo da Luz também.
Demorei especialmente no stand da Editora Queima Bucha, conversando com meu amigo Gustavo Luz sobre o mundo da literatura de cordel. Saí com uma sacola cheia de cordéis, desde clássicos, como A PELEJA DE RIACHÃO COM O DIABO e a HISTÓRIA DE JUVENAL E O DRAGÃO, de Leandro Gomes de Barros, a obras mais recentes, como PAULO, O FARISEU QUE VIROU CRISTÃO e A HISTÓRIA DO COMEÇO DO MUNDO – A TEORIA DO BIG BENG, de Fernando Paixão, aliás, ambos de ótima qualidade em rima, métrica e oração. Cabra bom esse Fernando Paixão!
Mas de tudo o que vi, chamou-me particularmente a atenção a edição de cordéis voltados para o público infantil, publicados pela
Editora IMEPH, de Fortaleza. Com linguagem simples, métrica e rima perfeitas, e gramática correta, os livros ainda vêm com ilustrações muito bem trabalhadas. As obras que vi são as seguintes, e as capas estão na imagem acima:
A SEMENTE DA VERDADE: adaptação do conhecido conto de mesmo título, escrita por Fernando Paixão, com ilustrações de Arlene Holanda;
O PAVÃO MISTERIOSO: adaptação do romance de cordel de José Camelo, escrita por Arievaldo Viana, com ilustrações de Jô Oliveira.
UM CURUMIN, UM PAJÉ E A LENDA DO CEARÁ: de Rouxinol do Rinaré, com ilustrações de Rafael Limaverde.
É muito bom ver o cordel sendo utilizado na educação das crianças, sem falar que elas adoram e se divertem muito com a leitura.
Parabéns a todos que vêm apoiando essas iniciativas!
Segue um trecho de

UM CURUMIN, UM PAJÉ E A LENDA DO CEARÁ

Vento que sopra do mar
Enquanto a tarde desmaia
Vem contar-me a antiga lenda
Que corre da serra à praia
A Lenda do Ceará
“Terra onde canta a Jandaia”.

Dizem que há muito tempo
No mais distante passado
Onde hoje é o Ceará
O nosso querido Estado
Era um chão virgem, somente
Por nativos habitado.

Nossos índios eram livres,
Dos litorais às ribeiras,
Nos sertões e altas serras
Viviam tribos guerreiras
E as Jandaias cantavam
Pelas copas das palmeiras.

Até que um dia homens maus
Chegaram aqui pelo mar,
Vindos de outras nações
Para esta terra explorar
E pela força e astúcia
Puderam, enfim, dominar.

Nossos índios reagiram
Aos tais colonizadores,
Uns morreram, outros fizeram
Acordo com os invasores...
Pois os vencidos se tornam
Escravos dos vencedores!

Num tempo ainda distante,
Mas já próximo do presente,
Quando com a posse das terras
Ficou o branco somente,
No litoral tinha ainda
Uma tribo remanescente.

E nessa tribo um costume
Ainda era preservado
Sentava-se um Pajé velho
Por curumins rodeado
Junto à fogueira e contava
As histórias do passado.

E assim segue a história, contando a lenda que retrata a história daquela tribo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Poesia popular e estrangeirismo



ESTRANGEIRISMO


Pra fechar a semana, esse intressante vídeo, de Carlos Silva e Sandra Regina, que peguei do Yahoo! Vídeo.

Para saber mais sobre os autores, veja http://www.sacpaixao.net/visualizar.php?idt=644022.

Bom fim de semana!

ou Have a nice weekend!


quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O Poeta do Absurdo na Literatura de Cordel


TAPIOCA RECHEADA COM POESIA DE CORDEL

Deslocando-me de Mossoró para Fortaleza, parei pertinho da capital cearense - já na parte onde a CE-040 se confunde com a Avenida Washington Soares - para comer uma tapioca com chocolate quente. Geralmente, toma-se a tapioca com café, mas não gosto de café.
Cheguei já pensando na tapioca recheada com queijo e ovo, mas, na entrada do estabelecimento, outro recheio completou o repasto: o cordel “A PELEJA DE ZÉ DO JATI COM ZÉ LIMEIRA”, de Anchieta Dantas, o “Zé do Jati”, conhecido personagem do Programa Garras da Patrulha, da TV Diário, de Fortaleza.

Pra quem não conhece, Jati é uma pequena cidade situada bem no sul do Ceará, quase na divisa com os Estados de Pernambuco e da Paraíba, onde no passado mandavam os índios Kariris.


Já tive oportunidade de incluir Jati em meus versos, quando falei da chegada da Justiça Federal ao Cariri:

Pois a Vara Federal,
Instalada em Juazeiro,
Cidade de muita fé,
Que acolhe tanto romeiro,
Tem sua jurisdição
Começando no sertão
E subindo pelas serras,
Até chegar a um lugar
De onde dá pra olhar
Pernambuco e suas terras.

Começando seu alcance
Nas terras do centro-sul,
A partir de Acopiara,
Passando por Iguatu,
Se estende até Mauriti,
De Brejo Santo a Jati,
Alargando suas fronteiras
Baixio, Ipaumirim,
Farias Brito e Jardim,
Campos Sales e Porteiras.

Sobre o Zé do Jati, disse a jornalista Lea Queiroz, “é autor dos livros NÓS E A METRÓPOLE, O PASSAGEIRO DO TEMPO e RANCHO NOVA ESPERANÇA. Diz a JORNALISTA ISABEL PINHEIRO, que acompanha seus feitos literários há 20 anos, trata-se de uma obra literária que desperta a atenção e mexe com as emoções mais escondidas”.

Para saber mais sobre Zé Limeira, visite http://www.revista.agulha.nom.br/otejo.html .

Segue um trecho da “peleja”:

ZÉ LIMEIRA
Getúlio Vargas morreu
Foi com saudade da esposa
Lampião inda tá vivo
Morando perto de Sousa
Por detrás do Sete-Estrelo
Tem um casal de raposa.

ZÉ DO JATI
Foram amigos e compadres
Julio César de Lampião
E sócios em uma fábrica
De chocolate e sabão
E um dia de madrugada
Ficaram sem fazer nada
Numa noite de São João.

ZÉ LIMEIRA
Santo Antonio foi pescar
Mussú no rio Jordão
Quando jogou o anzol
Arrastou um camião
Deu-lhe uma caimbra no pé
Nisso passou São José
Com três abrroba de pão.

ZÉ DO JATI
Nelson Piquet comprovou
Que é um grande vaqueiro
São Tomé já fez promessa
Pra pagar no Juazeiro
E São José numa vã
Faz lotação de manhã
De Cabrobó a Salgueiro.

ZÉ LIMEIRA
Jesus ia rezar missa
Na capela de Belém
Chegou Judas Carioca
Que viajava de trem
Trazia trinta macaco
Botou tudo num buraco
Não tinham nenhum vintém.

ZÉ DO JATI
Jesus nasceu em Belém
Pertinho de Cabrobó
Quando passou Jati
Já era “quage” de maió
Passou dirigindo um jipe
Com febre e com muita gripe
Em busca de Mossoró.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Rap e repente


ENCONTRO DE RAPPERS E REPENTISTAS

Chegou às minhas mãos hoje, por obra do meu amigo Eduardo Moreira, o folder informativo do RAP-REP, I ENCONTRO NACIONAL DE RAPPERS E REPENTISTAS, marcado para os dias 26 a 28 de outubro deste ano de 2007.
Achei a idéia muito interessante. Afinal, embora haja diferenças quanto à forma, em ambas as manifestações estão presentes a improvisação e a temática popular.
Os interessados eM maiores informações podem clicar no link
Rap Rep - Encontro Nacional de Rappers e Repentistas.
Segue um trecho do site do evento:

Rap & Rep

Os beats do hip-hop se encontram com os motes da cantoria entre os dias 26 a 28 de outubro, em Campina Grande, na Paraíba. Conhecida pelo Maior São João do Mundo e pelo internacional Encontro Para Nova Consciência, Campina, a 120 km da capital João Pessoa, irá sediar o I Encontro Nacional de Rappers e Repentistas, que ganhou o apelido de 'Rap & Rep'.O evento, o primeiro do gênero no país, é promovido pelo Ministério da Cultura, em parceria com o Governo da Paraíba, por meio da Subsecretaria de Cultura do Estado e com apoio cultural da Petrobras.Em quatro dias, estarão em Campina Grande, no Spazzio, nomes importantes do universo do hip-hop, como Zé Brow, Nelso Triunfo, Marechal, Z`Africa Brasil, Gabriel O Pensador e Gog, e da cultura popular, como Oliveira de Panelas, Cajú e castanha, Cabruêra, Selma do Côco e As 'Ceguinhas' de Campina (as irmãs protagonistas de 'A Pessoa É Para o Que Nasce'), entre tantos outros.A idéia do I Rap & Rep é mostrar que gêneros aparentemente tão distintos têm muito mais em comum do que nós pensamos. Assim a rima e a poesia, a dança de rua, a discotecagem e o graffiti irão coexistir junto com a embola, o cordel e o próprio repente.Tudo isso em meio a uma grande feira de música e informação, com shows, oficinas e debates, com acesso gratuito ao público.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Cordel e índios (William Brito)


OS ÍNDIOS BRASILEIROS NO CORDEL DE WILLIAM BRITO

Um amigo perguntou se eu tinha algum cordel sobre índios brasileiros. Fui buscar em meu pequeno acervo e achei três: TRATADO DE PAZ (entre os reis Ca nindé e de Portugal), de Gerardo Carvalho, o Pardal; IRACEMA (a virgem dos lábios de mel), de João Martins de Athayde; e A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS, de William Brito, o homem que ocupa a cadeira número um da Academia dos Cordelistas do Crato, que escolhi para transcrever neste post.
O folheto, de 2002, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal no Ceará, e contou com o apoio do IPHAN, FUNAI, CNBB, Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Governo do Ceará e dos Índios Cearenses, começa com uma apresentação, de Josenir Alves de Lacerda, que traduz bem o sentimento que nos invade, quando o lemos. Diz Lacerda:

“Neste trabalho: A Saga dos Índios Brasileiros, o poeta William Brito faz do Cordel um portal e o abre com a chave mágica da inspiração, deixando que o leitor veja e vivencie o desenrolar dos fatos. Apesar do enredo ser entremeado de luta, traição, injustiça, exploração, perseguição e desamor aos nossos irmãos indígenas, devemos ler como quem sorve bebida de apurado sabor e que no lugar de embriagar, desperta e aguça sentimentos de brasilidade e compromisso para com os nossos ancestrais, cujo sangue quente, forte e guerreiro carregamos nas veias e teimamos em esquecer ou ignorar. Mais uma vez o poeta não poupa talento e mostra as diversas facetas e propostas do cordel como veículo de denúncia, didática, esclarecimento, conscientização. Enquanto houver mente aberta e consciente como a do poeta William, com coragem de expor páginas tão cruéis e injustas, haverá a certeza dde que alguma luz ainda brilha no horizonte da nossa história acenando com uma réstia de esperança”.


A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS

Sonhei com Tupã pedindo
Pra minha arte dispor
A serviço dos indígenas
E um folheto compor
Mostrando ao longo da história
A penosa trajetória
De humilhação e dor.

Me dispus porque carrego
Herança dos Kariri,
Sou mestiço como muitos
Que adoram roer piqui,
Acham a natureza jóia,
Se esbaldam num tipóia
Babam por mel de jati.

Me ensinaram no ginásio
Que somente há 10.000 anos
Quando o planeta esfriou
Os mongóis tomaram o plano
Do mar congelado usar
E da Ásia se mudar
Pro espaço americano.

E da América do Norte
Desceram para a Central,
Continuaram pro Sul
Fugindo do frio austral
E aqui se deram bem
Que era terra de ninguém
Rica em planta e animal.

Mas a arqueologia
Desmentiu esta versão,
Nas terras do Piauí,
No miolo do sertão,
Em São Raimundo Nonato
Tem vestígio de artefato
Que ensina outra lição.

Há mais de 30.000 anos
Já vivia no Brasil,
Um povo forte, trigueiro,
Gregário, simples, viril,
Adaptado à natura,
Desenvolvendo cultura
Debaixo do céu anil.

Em muitos pontos se encontra
Do nosso vasto Nordeste,
Vestígios dos ancestrais,
Na mata, sertão, agreste,
Eles não se aquietavam,
No território migravam
Fugindo de fome e peste.

Com muito esforço esse povo
Que era esperto e curioso,
Pesquisou a flora e a fauna
Com um resultado assombroso
Separando o que convinha
A comida e a “meizinha”
Do que era venenoso.

Ao longo do tempo o povo
No Brasil foi se espalhando
E em razão do ambiente
Aos poucos se transformando
Formando várias culturas,
Esquecendo a essa altura
O parentesco e brigando.

Lutava-se por comida,
Por coisas essenciais,
Não por ouro, pedrarias,
Ou por outros vis metais;
Se brigava, isso é notório,
Pelo santo território,
Como brigam os animais.

Pois bem, no século XV,
Em pleno mercantilismo,
Os europeus expandiram
O seu colonialismo.
Colombo, Pinzón, Cabral,
Tornaram a aldeia “global”
Fomentaram o consumismo.

Espanhóis e Lusitanos,
Bem antes da invasão,
Dividiram as Américas,
Depois de grande questão;
Pra guerra faltou um triz
E quem serviu de juiz
Foi o papado cristão.

Os nativos receberam
O povo vindo do mar,
Com boa disposição
Foram confraternizar
Depois se viram traídos,
Explorados, perseguidos,
Obrigados a arribar.

Cerca de 5 milhões
De índios tinha o Brasil,
E etnias, sabe Deus,
Talvez passasse de mil,
O terrível, o que eu lamento,
É não restar 10%
Dessa gente varonil.

Martins Soares Moreno,
Chegando no Ceará,
22 povos achou;
e hoje, quantos haverá?
Segundo doutor Pinheiro,
Só tem 11 companheiro,
Até onde a ciosa irá?

Os europeus cá vieram
Somente atrás da riqueza
Carregaram o pau-brasil,
Depredaram a natureza
Com fogo, foice e machado,
Trouxeram a cana e o gado,
Comprometeram a beleza.

Trouxeram ainda ao Brasil
A mancha da escravidão,
Africanos e ameríndios
Padeceram de aflição
De virar mercadoria.
Haverá selvageria
Acaso igual, cidadão?

Os tupis do litoral
Sofreram primeiramente
E os tapuias do sertão
Padeceram mais na frente,
Espanhóis ou Holandeses,
Lusitanos ou Franceses
Não agiam diferente.

Pra eles índios e negros,
Não tinham dignidade,
Se pareciam com gente
Mas não eram, de verdade.
Eram simples animais
Como o gado dos currais,
Sem direito nem piedade.

O tal Marquês de Pombal
Proibiu língua nativa,
Todos tinham de falar
Aquela língua aflitiva
Do malsinado invasor,
Muitos inda tem pavor
Da língua coercitiva.

E a medicina da terra,
Conhecida do pajé,
Foi vetada para os índios
Como também sua fé;
Quem não virasse cristão
Comprava grande questão
Com a forte Santa Sé.

As terras foram tomadas
Pelo gado e pela cana
E os índios missionados
Em Caucaia e Messejana,
Viçosa, Almofala, Crato
E Parangaba é o relato
De uma sina desumana.

À custa de muito sangue,
Deu-se a colonização,
Os nativos se uniram
Numa Confederação
Para enfrentar o invasor,
Mas, mesmo com seu penhor
Perderam a conflagração.

E quem ganhou a contenda
Fez a versão da história,
Fez-se o mocinho do filme,
Cobriu-se de honra e glória,
E o perdedor sem direito
Ficou cheio de defeito
E privado de memória.

Guerra química e biológica
Para os índios foi fatal,
Eles não tinham defesa
Contra vírus, coisa e tal;
E até bem pouco uns ladinos
Queimaram o índio Galdino
No Distrito Federal.

Na festa em Porto Seguro
Que lembrou a invasão,
Os índios foram excluídos
Sem direito a expressão
E todos que protestaram
Dos polícias apanharam
Sem dó e nem compaixão.

Mas pega a coisa a mudar
Na nossa sociedade
Os índios já se organizam
Reforçando a identidade,
E sua luta é tamanha
Que foi tema de campanha
Dita da fraternidade.

Somos um povo mestiço
Não temos o que negar,
Mas a discriminação
Teima em nos acompanhar,
Deixemos de preconceito,
Vamos todos dar um jeito
De nos unir, nos amar.

Vamos vencer o apartheid
Econômico e social,
Acabar com a exclusão
Criminosa e imoral
Ultrapassar a mazela
Que separa a favela
Condomínio colossal.

Honremos no Ceará
Kariris e Cariús,
Calabaças, Potiguares,
Quixelôs e Pacajús,
Kanindés e Tabajaras,
Tremembés, Jaguaribaras,
Jucases, Tacarijús.

Que as novas gerações
Protejam os Tremembés,
Pitaguarys e Tapebas,
Jenipapos, Kanindés,
E que nunca falte abrigo
Pra memória dos antigos
Como os grandes Anacés.

Que o Brasil respeito o índio
Como etnia ancestral.
Genética e culturalmente
Basilar, essencial,
Respeite a diversidade
Que faz nossa identidade
Ser mais rica, mais plural.